domingo, 27 de fevereiro de 2011

Un tramway nommé désir

            Hoje fomos à Comédie Française ver Um bonde chamado desejo em francês. Eu estava ansiosa por esse momento desde o dia em que reservamos os ingressos, dois meses atrás. Achei a montagem maravilhosa e chorei de emoção duas vezes: a primeira quando a Blanche conta o seu passado para o Mitch; a segunda, durante a última e célebre fala da personagem. Pensando bem, até que não foi tão mau comprarmos os ingressos mais baratos: assim, eu pude me esconder atrás de algumas cabeças para o bruto do Stanley não perceber a minha simpatia pela Blanche.



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Centre Pompidou

             O tempo está passando rápido; metade já foi, só nos restam quatro meses e meio. Paris é gigante. Impossível ir a todos os cinemas, a todos os teatros e a todos os museus. Só ao Louvre precisaremos ir mais umas três ou quatro vezes pra ver todo. Domingo fomos ao Centre Pompidou, um importante museu de arte moderna e contemporânea. Além da exposição permanente, vimos uma mostra de artistas feministas. Algumas das obras são tão chocantes quanto a arquitetura do prédio, que já tínhamos namorado por fora várias vezes. Aí vão algumas fotos:




















sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quando o sol deixava Veneza...

            ... eles estavam na nossa frente, parados na Ponte dell'Accademia. Ele usava botas e um sobretudo preto da cor dos seus olhos e de seus cabelos longos; ela estava de moletom, calça jeans rasgada, tinha os cabelos castanho-claros enrolados até o ombro e os olhos tristes e verdes. Enquanto o Douglas me erguia do chão, me balançava e ameaçava carinhosamente me jogar da ponte, eram eles que tiravam a minha atenção. Conversavam sem se olhar, como apaixonados sem esperança. De repente ela saiu e ele foi atrás. Ao mesmo tempo, nós resolvemos ir pro hotel e tomar um banho para, à noite, caminharmos por Veneza, pois quando a cidade dormisse, quando tudo estivesse fechado, ela seria só nossa.
           Chegando ao último degrau da ponte, eles pararam. Eu via de longe, pois caminhávamos muito devagar. Sem se despedir e com lágrimas nos olhos ela o afastou com as mãos, deu as costas e seguiu sozinha. Ele ficou parado e falou alguma coisa que eu não entendi. Ela olhou pra trás, engoliu o choro, baixou a cabeça. Algo no seu rosto dizia que ela não poderia ficar: continuou andando. Passamos por ele. Eu olhei nos seus olhos e vi que, como o resto do corpo, eles estavam imóveis. Pedi pro Douglas para pararmos um pouco. Fingi que olhava uma vitrine de máscaras e esperei pra ver como acabaria aquela história. Ela indo embora, com as mãos nos bolsos; ele, estático, com os olhos fixos nela, tentava evitar que o rosto expressasse o que sentia. Eu queria cutucá-la, sacudi-la, gritar no seu ouvido pra que voltasse lá e desse um abraço nele. Ao mesmo tempo, torcia para que o cara mumificado aos pés da ponte se mexesse, corresse atrás dela e lhe desse um beijo cinematográfico. Mas nada. Ela sumiu das nossas vistas e ele continuou lá, como Veneza: parado no tempo.  Apertamos as mãos e seguimos para o hotel.
 No dia seguinte, casualmente passamos pela mesma ponte, e meus olhos procuraram o rapaz, com a estranha impressão de que ele ainda estaria lá, esperando. Ou mesmo, quem sabe, a moça tivesse voltado, e estariam os dois novamente juntos, dando um final feliz para a história triste do dia anterior... Mas, para minha surpresa, naquele mesmo lugar, vi, não mais o mesmo, porém um outro casal, feliz, se abraçando e sussurrando ternamente no ouvido um do outro.
             Assim é Veneza: o palco perfeito para os desencontros, mas também para os que se encontram. A Sereníssima vai ter sempre um lugar especial na minha memória romântica. E sei que, se um dia eu voltar lá, passarei pela mesma ponte e lembrarei dos casais, e contemplarei os rios, que como os amantes, mudam a cada segundo. A cidade, que por seus prédios seculares e suas ruelas antigas parece ser sempre a mesma, sutilmente se transforma com os seus amores que vêm e vão.










sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Greve ou máfia italiana? Parte II

           Que noite mal dormida aquela! Incontáveis pesadelos, e ao final de cada um cada um eu acordava e sentava assustada na cama. Às seis horas eu não aguentei mais aquela noite de cão e pulei da cama. O Douglas dormia tranquilamente, apesar de eu tê-lo ouvido se mexer muito durante a noite. Fui até a janela, afastei um pouco a cortina e fiquei espiando. Dez, quinze minutos e nada. O Douglas acordou, me olhou, limpou os olhos e perguntou: o que tu tá fazendo aí a essa hora? Então eu respondi sem olhar pra ele, pois não podia tirar os olhos da rua: estou conferindo se vai ter ônibus ou não. Nisso, eu vi um ônibus passando; não consegui ver a linha, mas já era um sinal: realmente o hoteleiro nos mentiu, pois ele tinha dito que nenhum transporte público funcionaria.
           Guardamos todas as nossas coisas, tomamos o café e fomos fazer o check-out. Eu já fui preparada pra ser passada pra trás de novo. Certo que ele vai querer cobrar mais do que o combinado na reserva. Ele estava todo atrapalhado, não sabia se já tínhamos pago para a empresa que havia reservado o hotel ou se tínhamos que pagar pra ele. Então eu disse bem séria e dando a entender que tinha toda a situação sob controle: não pagamos ainda; o contrato dizia que tínhamos que acertar direto como o hotel. Ele somou, pensou, olhou várias vezes os papéis e disse o valor. Hã?  Menos do que eu tinha calculado! O senhor somou o frigobar? Opa, esqueci!, disse ele. Muito estranho! O cara que queria tirar um por fora com o transporte, cobrando a menos, agora devia estar querendo se redimir pela mentira. Tudo bem, pagamos a conta e arrivederci Eu só queria cair fora daquele lugar.
            Fomos até a parada e, como eu tinha visto pela janela, não demorou nem dez minutos e lá vinha ele, como todos os dias: o 558. Sentamos e ficamos rindo do cara do hotel. Ele havia tentado nos enganar, mas nós tínhamos sido mais espertos que ele: não caímos na sua cilada. Descemos na Subaugusta e estranhamos o grande aglomerado de gente na parada. Fomos em direção ao metrô. Mais gente por ali, conversando paradas em frente à entrada. Foi difícil conseguirmos chegar perto. Quando conseguimos passar por todas aquelas pessoas, que pareciam não entender nada, a surpresa: Metrô fechado! Não é possível!  Os italianos que estavam ali conversando não sabiam o que estava acontecendo, mas nós sabíamos: GREVE!
            Agora a história mudou. Coitado do cara do hotel! Ele tinha tentado nos avisar e a gente fazendo mal juízo dele... E o cara do bar é que havia mentido pra manter o segredo! Mas e agora? Como vamos até o aeroporto?
            Ficamos ali, em frente à Via Cinecittà, junto com os italianos, esperando um ônibus que fosse até o centro da cidade. Duas horas de espera e nada. A única linha que estava funcionando era a 558, só que ela não ia até a estação Termini; ela faz só os arredores de Roma. Estamos ferrados!
           Bom, agora vamos ter que pôr em prática aquele nosso primeiro plano: carona. Pois os táxis não paravam. Pra não ter que ficar com o polegar pegando frio, a gente cuidava as pessoas que saíam dos estacionamentos. Foram muitas tentativas, e a desculpa era sempre a mesma: Não vou pro centro, vou pro outro lado. O bom é que tínhamos tempo, mas, apesar disso, já havíamos desistido do nosso passeio até a Appia Antica. Já era meio-dia, tínhamos que estar no aeroporto no máximo até as sete horas e não sabíamos ainda como faríamos. Precisávamos chegar até a estação Termini porque, de lá, podíamos pegar, em sentido contrário, o mesmo transfer que tinha nos levado do aeroporto até o centro de Roma. Esse devia estar funcionando, já que não é público.
           Nisso um careca parou o carro; ele estava esperando alguém. Fomos até ele. Oi, precisamos de uma carona até o Termini. Ele fez sinal pra nós que a sua mulher estava chegando e que ela saberia nos informar melhor. Quando ela chegou, ele explicou a situação e ela nos aconselhou: vocês devem pegar a linha A do metrô; ela vai direto até a estação central. Então tivemos que contar para a senhora italiana que não tinha metrô, que estava fechado, greve geral. Ela ficou surpresa. Pensou um pouco e disse: que pena, não podemos ajudar, não vamos em direção ao centro, moramos do outro lado da cidade. Explicamos que tínhamos que ir até o aeroporto, e perguntei se o Termini ficava longe dali, e qual era a direção. Ela apontou para aquela mesma avenida em que estávamos e disse: sigam sempre reto, seis ou sete quilômetros e vocês estarão lá.
            Agradecemos pela informação e começamos a caminhada. Calculamos que em duas horas chegaríamos. Como já era uma hora da tarde, às três horas estaríamos no Termini. Mais uma hora do tranfer, chegaríamos a tempo no aeroporto. Dez minutos de caminhada e minhas costas começaram a doer. Eu fui só com uma mochila, mas ela pesava uns dez quilos. O Douglas então se ofereceu para carregá-la, apesar de já ter a sua que também devia estar pesada. Então, começou a bater um desespero. Eu não estou acreditando nisso!, Vamos perder o dia todo aqui em Roma por causa dessa maldita greve. Nisso alguém bateu no nosso ombro. Era a mulher que tinha nos indicado a quilometragem: Vocês precisam de transfer para o Fiumicino?, Eu descobri um lugar onde tem transfer pra lá; fica no caminho pra nossa casa; venham conosco.
            Santa italiana! Ela veio atrás de nós pra nos ajudar. Nunca mais penso mal dos italianos. Entramos no carro e nos sentamos junto com a filha do casal. Perguntei pra onde estavam nos levando. Ela disse que o nome do lugar era Ostia e que de lá saíam vários transfer para o aeroporto. Papo vai, papo vem, e eles resolveram nos levar até o aeroporto. Eu hesitei, afinal eles já estavam fazendo demais pela gente. Não tem problema, disse ela, vamos desviar somente uns sete quilômetros do nosso caminho. Além do mais, o transporte é capaz de cobrar muito caro de vocês.
            Finalmente chegamos ao Aeroporto Leonardo da Vinci, vulgo Fiumicino, cinco horas antes de sair o voo. Quis retribuir a gentileza e já fui puxando a carteira. A italiana não aceitou. Pelo menos pela gasolina... Imagina!, disse ela. Foi um prazer conhecê-los. 
            Descemos do carro dizendo grazie sem parar. A novela tinha terminado. Os italianos são barulhentos, extravagantes, mas bonzinhos; o único que mentiu foi pra proteger o movimento operário. Aproveitamos o chá de aeroporto para sonharmos acordados, dessa vez um sonho maravilhoso com o nosso novo destino: Veneza.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Interpretação dos sonhos, versão ilustrada!

          Você está sonhando que está no metrô de uma grande cidade, muitas pessoas circulam pelo lugar e você não consegue identificar em que país você está. Aí vão algumas dicas:

          Se na escada rolante, as pessoas estiverem paradas do lado direito deixando espaço pra quem quiser subir caminhando pela esquerda, você está na França. Se a escada rolante estiver tomada de gente dos dois lados, ninguém consegue passar e um começa xingar a mãe do outro, então você está na Itália.  
          Quando o metrô parar, caso as pessoas que estejam fora esperem as pessoas de dentro do trem descerem e depois você consiga subir tranquilamente junto com elas, voilà, você está na França. Se o trem parar, e der uma confusão de gente se empurrando quando a porta abrir, pois os que estão dentro querem sair e os que estão fora querem entrar, tudo ao mesmo tempo tipo salve-se quem puder, parabéns, você está na Itália.
          Dentro do trem, uma voz feminina suavemente anuncia as paradas. Você vai descer, mas antes, ao lado da porta você vê o desenho de um coelhinho que acabou de prensar a patinha: é o aviso do metrô de Paris para não colocar a mão na porta depois do apito do trem, pois ela vai fechar. Mas se antes de descer, você ouvir uma estridente voz masculina, levar um susto, olhar para a porta e vir quatro desenhos: um homenzinho caindo do trem, uma mão sendo prensada, outro homenzinho caindo no valo entre o trem e a passarela e um último sendo praticamente esquartejado pela porta: Benvenuto!



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Greve ou máfia italiana?

           Nos últimos três dias em que ficamos em Roma, caminhamos muito pela cidade, ficamos umas seis horas no Vaticano e seus museus, fomos aos Musei Capitolini e ao Parco della Musica. Deixamos o último dia para ir à Appia Antica, pois o nosso voo para Veneza só sairia às oito horas da noite. Mas chegando ao hotel recebemos uma notícia que mudaria todos os nossos planos.
            Perguntamos ao recepcionista, aquele mesmo que tinha nos dito que na Itália não tem assaltos, se ele sabia de algum trem que fosse direto ao aeroporto. Amanhã?, disse ele. Sim, amanhã; precisamos saber qual é a linha que devemos pegar até o Fiumicino. Foi aí que veio a bomba: Não, amanhã não tem transporte em Roma. Tudo parado! Greve geral! Como? Não é possível, temos que pegar o avião. Ele, bem calmo só balançou a cabeça negativamente e disse: difícil saírem daqui amanhã. Com muita sorte, vocês conseguem um táxi, mas preparem o bolso. O senhor está brincando com a gente? Ele levantou a mão direita e, com um sorrisinho malicioso, parecendo adorar nos ver sofrer: juro que é verdade! E ainda emendou: me pediram para participar da greve, mas eu não aceitei. Então, baixou a cabeça, voltou a trabalhar e nos deixou ali plantados sem saber o que fazer.
           Fomos para o quarto pensar. E agora? Como vamos fazer pra ir desse fim de mundo até o centro de Roma? A pé é muito longe. E táxi vai custar uns 200 euros. Além do mais, com greve, vai ser difícil conseguir algum. Não queríamos acreditar na notícia que tinha desabado sobre nós um dia antes da viagem pra Veneza. Ficamos quebrando a cabeça, matutando como faríamos pra ir até o centro. Só tem uma solução, eu disse: carona. A gente vai pra beira do asfalto com uma placa escrita aeroporto. Alguém vai ter que parar. Então o Douglas disse: Não pode ser verdade, não vi em lugar algum a notícia da greve. Nisso eu lembrei de ter lido um anúncio na cartilha do hotel. Fui olhar e... Lá estava, com fonte 30: “Temos transfer para o aeroporto, combine preços com a recepção”. Então é isso, não tem greve coisa nenhuma; o cara do hotel está nos passando a perna. Ele quer que a gente peça pra ele nos levar até o aeroporto e vai cobrar o que quiser!
            Pra descargo de consciência, ligamos a televisão esperando alguma notícia, pois na França, quando tem greve, eles avisam nos jornais e publicam até os horários dos poucos ônibus que irão circular. Sentamos em frente à TV: meia hora de desastres pelo mundo e nada de notícia sobre a greve. Não pode ser; uma greve secreta não existe! Pois é, então a imprensa não sabia da greve e os brasileiros aqui sabiam? Muito estranho.
Depois de sofrer durante mais de uma hora, tivemos a ideia de ir até o bar em frente ao hotel na tentativa de pescar alguma informação. Entramos na bodega: dois desdentados jogando fliperama e nós. Pra não dar bandeira, pedimos uma cerveja e começamos a ler o jornal que estava em cima da mesa. Nada sobre a greve. O hoteleiro estava mentindo. Chamamos o garçom pra acertar a conta, e foi aí que perguntamos: O senhor sabe se amanhã terá ônibus normal? O senhor está sabendo de alguma greve?
O dono do bar ficou verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão e, olhando pro luminoso do nosso hotel,  perguntou desconfiado: Quem falou isso pra vocês? Vocês estão no hotel da frente? Eu, já pressentindo as segundas intenções da pergunta, respondi: Não. Hotel? Qual hotel? Ele respirou fundo, secou as mãos no avental, depois apertou uma contra a outra, fez uma cara de desaprovação e, já roxo, começou a nos dar as coordenadas: Peguem o 558 até a estação Subaugusta e depois o metrô até a estação Termini. E logo, antes que eu perguntasse mais alguma coisa, ele voltou para trás do balcão. Enquanto o Douglas guardava o dinheiro, eu espreitava os movimentos do sujeito: ele continuava nervoso, cochichava com o companheiro de bar e nos olhava com o canto do olho.
           Saímos. E agora? Não podemos atravessar a rua para entrar no hotel, senão ele vai saber que mentimos. Andamos uns 100 metros, paramos na calçada e discutimos a veracidade da nova informação. No início estava claro pra nós: o dono do bar era cúmplice na armação do hoteleiro e só nos falou do ônibus porque acreditou que não éramos hóspedes. Mas depois levantamos outra hipótese: É claro que ele não acreditou que não éramos do hotel! O que dois estrangeiros estariam fazendo nesse lugar deserto? O cara do bar nos enganou; ele sabe da greve, mas mentiu pra tentar proteger a honra do movimento. Se o bodegueiro olhou pela janela com cara feia foi porque ficou nervoso pelo fato de o hoteleiro ter nos contado sobre a paralisação.
           Depois de vinte minutos gelando na calçada, atravessamos a rua longe das vistas do nosso informante e, passando em frente ao circo, seguimos em direção ao hotel. Eu ergui o colarinho do casaco tentando me disfarçar e entrei primeiro; o Douglas veio logo atrás. Chegamos ao portão com o coração saindo pela boca e ainda esperamos uns minutos antes de entrar pro cara do hotel não perceber o nosso nervosismo.
          Pedimos a chave do quarto enquanto eu olhava fixo pra cara do hoteleiro pra ver a reação dele. Com certeza ele sabia que tínhamos ido nos informar sobre a greve. Seria capaz de pedir explicações? Nos ameaçaria com uma faca escondida embaixo do balcão? Enfiaria a chave do quarto no meu olho? Arrastaria nossos corpos para uma câmara de tortura subterrânea? Não. Ele foi mais maquiavélico do que isso: nos deu a chave e, junto com ela, um sorriso amarelo.
          O negócio é que estávamos na estaca zero de novo. Tem ou não tem greve? As informações eram contraditórias e o nosso problema continuava. Pensamos, então, numa terceira hipótese: o dono do bar fez cara feia quando olhou pro hotel porque sabe que o hoteleiro é falcatrua e vive enganando os turistas, e ficou nervoso por ter que desmentir o vizinho. Ou seja, não vai ter greve. O hoteleiro é um mentiroso.
          Sentamos na cama e ficamos umas duas horas tentando achar uma explicação para aquilo. Eu estava com medo de que o dono do bar invadisse o hotel com todo o movimento operário italiano e que fôssemos vítimas de uma queima de arquivo internacional para manter o segredo da greve. De qualquer modo, estávamos em maus lençóis: se o hoteleiro falou a verdade, estamos sem transporte para o aeroporto e acabamos de entregá-lo como fura-greve pro dono do bar; se ele está mentindo pra tirar uma graninha por fora com o seu transporte, bem pode ser capaz de coisas piores, como superfaturar a nossa estada ou cobrar o uso do chuveiro por minuto.
          Independente disso, tínhamos que dormir. A única solução será esperar o dia seguinte para descobrir a verdade: se o 558 passar, o hoteleiro é mentiroso, mas temos transporte pro aeroporto; por outro lado, se ele não passar, o dono do bar é que nos mentiu, o hoteleiro é fura-greve, e dependeremos de uma carona pra não ficarmos presos em Roma, sem hotel para a próxima noite, abandonados à lona do circo italiano. Arrisquem seus palpites e aguardem o próximo capítulo para descobrirem como noi siamo partiti.