terça-feira, 29 de março de 2011

Metrópolis

            Metrópolis, de Fritz Lang, é um dos meus filmes favoritos. Baseado no romance escrito por Thea Van Harbou, o clássico estreou em 1927 e continua sendo até hoje umas das grandes obras do cinema. Só que a cópia que o público viu naquele ano e desde então não era exatamente o filme imaginado pelo diretor. Em 2008, foram encontrados no Museo Del Cine, na Argentina, cerca de 25 minutos que haviam sido cortados da primeira edição e que se uniram novamente à obra somente em 2010.
            Na última janta que fizemos aqui na Maison du Brésil, nosso amigo Gonzalo, que, além de maestro, é argentino e está estudando a nova trilha, nos convidou para assistir ao Metrópolis, agora na íntegra como o seu diretor o havia concebido. Nossa sessão ficou marcada para dia 13 de março, na Maison du Japon.
            Cruel coincidência! A costa nordeste do Japão foi arrasada por um tsunami apenas dois dias antes, como o mundo inteiro soube, e na noite do dia 13 nossos amigos japoneses estavam ainda tentando fazer contato com seu país: o Fritz teria que esperar. Remarcamos o encontro.
             No sábado seguinte fomos à Maison du Japon para assistir ao filme e, na cena em que a usina explode, não pude deixar de ver uma perturbadora relação entre a ficção dos anos 20 e a nossa realidade do século XXI. O universo capitalista e sem controle do filme só acaba quando tudo vem abaixo. A diferença é que, na ficção, os heróis salvam todo mundo.

domingo, 27 de março de 2011

Musée Carnavalet

              O Musée Carnavalet conserva coleções que ilustram a evolução da cidade de Paris: desde peças da pré-história até quadros do século XX. Porém, as salas mais bonitas são as que reconstituem quartos de diferentes épocas com móveis originais, sendo um deles o quarto do escritor Marcel Proust.  



 
À direita, retrato de Juliette Gréco

Quarto de Marcel Proust

Salão de Baile do Hotel Wendel, 1925

Réplica miniatura da Bastilha



Le Chat Noir



sábado, 26 de março de 2011

Injeção de ânimo

         O Très Joli anda meio depressivo, pois os especialistas lhe dão só mais três meses de vida e também porque, apesar disso, sua autora está sem tempo de lhe prestar os devidos cuidados, já que as aulas de francês exigem dela cada vez mais dedicação. Então hoje, para dar uma animada no paciente, coloco umas fotos de dois museus que fomos visitar neste mês.

Musée du quai Branly:








Musée d’art moderne de la ville de Paris:









domingo, 13 de março de 2011

Madeleines de Proust

Essa semana, numa das aulas de francês, a professora falou sobre a “Madeleine de Proust”, que é uma expressão utilizada para algo que nos faz viajar pela memória até o passado. A expressão tem esse nome por causa da obra de Marcel Proust À procura do tempo perdido, em que o narrador, numa das histórias, quando comia madeleines, voltava todo o pensamento para a infância.
           Todo mundo tem suas madeleines de Proust, sejam imagens, sabores ou gestos. Uma das minhas madeleines é o cheiro de bolinho de chuva que a minha mãe fazia nas tardes de inverno da minha infância, aquelas tardes em que o tempo estava tão ruim que era impossível sair de casa pra brincar na rua com os vizinhos. Ainda hoje eu lembro desse cheiro, principalmente quando chove e eu estou dentro de casa. O cheiro da chuva me faz lembrar do cheiro do bolinho e, aí sim, todas as lembranças de infância começam a aparecer na minha cabeça.
           Eu sempre tive mania de cheirar (fiquem tranquilos, nunca cheirei nada ilícito). Tudo começou com o miolo de pão. Minha mãe sempre dizia que era falta de educação, mas fazer o quê? Depois do pão eu passei a cheirar tudo que é comida. Tem umas até que gosto mais do cheiro do que do gosto. No colégio o vício ficou mais grave: comecei a cheirar o giz de cera, a tinta guache e a caneta destaca texto. Na adolescência, o cheiro de livro novo é que me fascinava. Toda vez que entrava numa livraria, eu olhava pros lados pra me certificar que ninguém estava olhando, abria um livro e me deliciava com o seu aroma. Também nessa época eu era viciada em furungar disco de vinil. Antes mesmo de escutá-lo ou de desvendar todos os detalhes daquela capa enorme, eu tirava o vinil do plástico, trazia ele pra perto do nariz e o cheirava. Na fase adulta eu comecei a apreciar o cheiro dos lugares também. Acho que é por isso que eu sou uma das poucas pessoas na face da terra que gosta de ir ao dentista.
          Aqui em Paris eu descobri cheiros novos. Cada quartier pra mim tem um cheiro diferente. As incontáveis lojas de perfume da Champs Elysées dão à avenida mais famosa do mundo um cheiro de sofisticação e finesse. O Quartier Latin tem cheiro de boemia e intelectualidade: uma mistura de cheiro de café com cheiro de livro usado dos sebos.
          Ontem o dia foi repleto de odores, a maioria não muito agradável. Começamos a sentir um deles no metrô: um cheiro de gente que não toma banho há pelo menos uma semana. Quando eu sinto esse cheiro, vou de uma estação a outra sem respirar. Quando a porta do trem abre, e o ar se renova, eu dou aquela respirada fundo pra poder aguentar até a próxima vez que a porta vai abrir. Ontem as previsões estavam marcando chuva, o tempo estava pesado e nunca senti o metrô tão fedido. Estávamos indo para a Maison de Balzac e só pude respirar tranquilamente quando botei meu nariz pra fora do subterrâneo. Chegando na casa do Balzac, além dos objetos do escritor, tinha uma exposição sobre Théophile Gautier e, acreditem se quiserem: um cheiro muito forte e ácido dentro da casa. Vamos lá, eu já estou craque em ficar minutos inteiros sem respirar. Lendo uma das cartas que estavam expostas na parede, onde George Sand contava que Gautier tinha tantos gatos que, quando ela ia visitá-lo, podia sentir o cheiro de xixi de gato ainda na calçada em frente à casa, percebi como os franceses são perfeccionistas: montaram uma exposição do Gautier na casa do Balzac e reproduziram até o cheiro.
           Quando saímos da Maison de Balzac, ficamos caminhando pelas bordas do Sena. Estávamos matando tempo, pois, para o nosso próximo compromisso, um espetáculo de dança contemporânea, faltava ainda três horas. Chegando perto da Pont d’Iéna, avistamos um indivíduo virado para a parede fazendo suas necessidades líquidas ali mesmo. Para evitar um constrangimento mútuo, fiquei olhando para o lado oposto ao sujeito, e seguimos por baixo da ponte. Só que, no meio dela, vimos que o que o homem estava fazendo devia ser prática comum entre os transeuntes, pois a ponte fedia a ácido úrico. Trancamos novamente as narinas e fomos pulando amarelinha para desviar das poças amarelinhas no chão. Resolvemos então não passar mais por baixo das pontes e pegamos à esquerda antes da Pont d’Alma e seguimos em direção ao metrô, onde fomos atacados novamente pelo fartum.
            Não é possível, os fedores estão nos perseguindo! Comecei a achar que o meu nariz é que estava estragado, mas me tranquilizei quando olhei pro Doug e vi que ele também estava com a mão no nariz, lutando contra o mau cheiro do lugar.
           Finalmente chegamos ao Théâtre de L’étoile du Nord. Corri para o banheiro, lavei as mãos com muito sabonete líquido e fiquei cheirando-as pra ver se esquecia dos cheiros anteriores. Quando já tínhamos nos posicionado na plateia, vimos que éramos os mais novos por ali. A pessoa mais próxima a nós em idade provavelmente tinha assistido à Liberação de Paris em 1944. Alguns cheiravam a talco, mas tinha uma senhora que estava no banco da frente que certamente foi esquecida de ser enterrada. Pelo cheiro que ela exalava, eu calculei que ela estava morta há pelo menos três dias. O pior de tudo é que a técnica de trancar a respiração até uma possível renovação do ar não funcionaria ali. Eu ainda não consigo ficar uma hora e meia sem respirar. Então lembrei que eu estava de gola alta. Puxei a gola em direção ao nariz e fiquei o espetáculo inteiro parecendo uma bandida do velho oeste tentando filtrar o ar fétido.
           Uma hora e dez minutos depois, saímos da sala de tortura olfativa. tinha chovido, o ar estava mais leve e o cheiro ruim tinha desaparecido. Quase chegando ao metrô, um outro cheiro bateu nos nossos narizes, mas dessa vez um cheiro bom. Pâtisserie!, gritei gulosa. Não resistimos à tentação, compramos umas coisas cheirosas e fomos pra casa comê-las com café. Mas antes, dei uma boa cheirada no pó do café: um ótimo meio de apagar a lembrança dos maus odores do dia. Como uma madeleine de Proust às avessas.






terça-feira, 8 de março de 2011

Cidade Medieval

            Para estes últimos quatro meses na França, estamos planejando umas viagens para outras cidades do país. Por isso, sábado acordamos bem cedo e fomos para Provins, 80 quilômetros a sudeste da capital francesa, uma cidade cheia de castelos medievais e inscrita como patrimônio da UNESCO. Ou seja, nada nela pode ser destruído ou modificado sem autorização. Ainda no sábado, enquanto eu fazia o roteiro, o Douglas preparava a mochila que seria nossa única companheira. Eu até reparei que ela estava um pouco gorda, provavelmente atulhada de livros, mas nem dei bola, afinal era ele quem iria carregar.
            Pegamos o TGV, trem que faz os interiores da França. Logo que entramos, vimos que o maquinista estava inspiradíssimo: deu as boas vindas, anunciou o destino, informou a temperatura, e ainda lembrou aos passageiros que domingo seria o dia da vovó e que tínhamos que cuidar bem delas. Foi só o trem sair dos limites de Paris que a paisagem começou a se modificar, e a cidade grande foi sendo substituída por poucas casas e muito campo. Depois de uma hora e meia de viagem, chegamos à pequena Provins.
            Como recepção, uma feira na rua, com frutas, livros e até roupas medievais. Fomos bem recepcionados em todos os lugares dessa cidade que me lembrou os municípios do interior do meu estado, não pela arquitetura medieval, é claro, mas porque todos os nativos pareciam se conhecer: o livreiro conversando com a confeiteira na porta do correio, a mulher da padaria pedindo um saco de açúcar emprestado na mercearia, e coisas assim, que a gente só vê em cidades pequenas. Porém, mesmo com o tamanho miúdo do lugar, eu, como de praxe, havia feito o meu roteiro, que geralmente se baseia em ruas e paisagens interessantes que procuro na internet.
            Ao meio-dia, chegamos a um dos limites da cidade: a Porte de Jouy. Lá, tivemos uma grande surpresa: estávamos sozinhos. Eram as muralhas, os pássaros, e nós; mais ninguém. Subimos num dos mirantes da muralha: de um lado víamos os campos infinitos, do outro os telhados de Provins. Em frente à muralha, encontramos uma mesa de pedra e resolvemos parar um pouco para descansar. A única coisa em mim que estava inquieta era o estômago: estávamos só com o café da manhã. E não é que o Douglas abre a mochila e logo aparecem um cacho de bananas, duas laranjas, um pacote de galetes, outro de bolachas de palmito e uma garrafa d’água? Não eram livros que ele tinha na mochila; era o armário inteiro da cozinha. Perfeito! Me senti numa taberna da Idade Média. Fizemos o lanche bem devagar contemplando aquele cenário que antes eu só tinha visto nos filmes de época. E não tínhamos nenhuma pressa, pois ainda teríamos a tarde inteira para explorar os belos castelos de Provins.
           Como já tínhamos praticamente cumprido todo o meu roteiro, resolvemos visitar o interior de alguns monumentos. O primeiro foi a Torre Cesar, construída no século XII e que fica no alto de um morro. Do seu topo, conseguimos ver toda a cidade, como se fosse uma maquete.
          Depois de ver a cidade de cima, fomos para os subterrâneos. Eu imaginava umas catacombes como as de Paris, ou algo no gênero. Mas nada disso; eram só cavernas, nada de caveiras. Aliás, acho que não foi nem isso que me chateou; o que mais me deixou frustrada nessa visita aos subterrâneos foi a guia obrigatória. Eu odeio guia turístico! Eles não deixam você olhar as obras, pois ficam falando sem parar na frente delas. Quando o guia sai um pouco da frente, e você espicha o pescoço pra ver, o resto da turistada já invadiu o teu campo de visão. Não é legal que alguém fique falando de uma obra. Eu gosto de olhá-la do jeito que eu quiser e como estiver o meu estado de espírito naquele dia. Mas nos subterrâneos o drama foi pior ainda, pois não tinha iluminação exceto a lanterna da guia. Ela iluminava as inscrições nas paredes por cinco segundos e desandava a falar tudo o que eu já tinha lido na internet sobre a cidade. Que tragédia!
           Quando eu já estava subindo pelas paredes subterrâneas de impaciência, ela finalmente se despediu. Nós nem disfarçamos; saímos o mais depressa possível dali direto para a Grange aux Dîmes (fotos no http://cabecastrocadas.blogspot.com/), onde também fomos obrigados a utilizar guias, só que dessa vez eram audioguides, que ainda exigiam que se deixasse um documento de identidade na entrada como garantia de sua devolução. Logo que entrei no lugar e vi as cenas, tive a impressão de que fossem de verdade, mas quando cheguei perto vi que não passavam de bonecos imitando as profissões da Idade Média.
           Pra terminar nossa visita, fomos ao museu da cidade. Muitas obras sobre o período medieval lotavam os seus três andares, desde quadros até objetos e roupas.
           Seis horas da tarde e tínhamos visto tudo o que havíamos planejado e o que não havíamos planejado também. Então, deixamos a cidade rumo a Paris novamente. Essas imagens de Provins nos deram mais vontade ainda de conhecer outros lugares no interior da França. Só tenho certeza de que, seja para onde for a próxima viagem, duas coisas estão proibidas no nosso roteiro: guia humano e audioguide.