terça-feira, 31 de agosto de 2010

Au revoir!

Amanhã cedo estaremos embarcando. Será a primeira vez que colocaremos nossos pés fora do Brasil e a primeira vez também que ficaremos fora de casa por mais de um mês. Contando a saída aqui de Bento, serão 26 horas até Paris.
Se eu conseguir dormir esta noite, provavelmente terei um daqueles sonhos clássicos: “que perdi a hora”, “que chego no aeroporto, olho para os pés e vejo que estou de pantufa” ou então “que esqueci uma das malas ou o Douglas em casa”. E acordarei assustada, e aliviada ao mesmo tempo, por ter ainda algumas horas a meu favor. Mas tenho a impressão de que passarei a noite me revirando e pensando em como será o tão esperado dia de amanhã.
Hoje estou tão ansiosa que não consigo escrever mais. Este é o último post antes da viagem; o próximo será de Paris, très joli.
À bientôt!                
   

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Très joli, de Paris

           Essa frase é um pedaço de uma música cantada por Alberto Sordi no último episódio do filme "Os Novos Monstros" (http://www.youtube.com/watch?v=dag2ypGgm2Q e cantada também, euforicamente, pelo nosso amigo Juliano Dupont toda vez que o assunto "viagem a Paris" surge em nossa mesa boêmia. Passei a cantá-la em casa e, como ela não me largou mais, resolvi adotá-la como título do blog. Agradeço ao amigo Dupadupa pelas inúmeras serenatas. Sentiremos falta.

A fome é inimiga da relação

              Aproveitamos que a nossa hospedagem em São Paulo custou somente uma perna de salame, uma forma de queijo e um pouco de vinagre, para ficar quatro dias por lá. No sábado, visitamos o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, que fica em frente à Praça da Independência. Do outro lado da praça, encontramos o Monumento ao Grito do Ipiranga. O lugar é enorme. O jardim do museu, com seus chafarizes belíssimos, é palco para banho de passarinhos e para os monumentos, que parecem estar agradecendo aos céus por estarem ali. Tudo isso com o fundo musical da gaita de fole de um simpático musicista. O interior do museu é algo indescritível. A coleção de móveis, acessórios e documentos antigos é impressionante. Fora as gigantescas pinturas a óleo, os carros de dedetização do século XVIII, as estátuas majestosas. Passamos um dia inteiro no museu e aproveitamos o ingresso para conhecer também o Museu de Zoologia da USP.
            Mas o passeio mais emocionante foi o do dia anterior. Sexta-feira, depois dos momentos de expectativa no consulado, voltamos para casa para colocar um tênis e resolvemos sair a pé. Tínhamos tomado um café às 8 da manhã e já era uma hora da tarde, mas resolvemos não perder tempo e deixar para almoçar quando chegássemos ao centro. Tranquilo! Olhei o mapa na net: Aclimação – Liberdade – Praça da Sé – Praça da República. Eu tinha certeza de que conseguiria chegar até o nosso destino planejado, a Galeria do Rock, em uma hora. Distraí-me um pouco e, na terceira rua, já estávamos perdidos. Continuei andando como se estivesse tudo sob controle e, para minha sorte, Olha lá a Catedral da Sé, eu disse animada, como se tivesse morado em São Paulo a vida toda. Isso é um bom sinal?, o Doug me pergunta. Sim, é atravessar a praça da igreja, achar a Rua Direita e pegar à esquerda e estaremos próximos à galeria, eu respondi confiante.
            Depois de andar muito e de nos perdermos mais umas três ou quatro vezes, chegamos à galeria, que já não é só de rock, mas de hip hop, reggae e outros estilos mais recentes que não fiz esforço para identificar.
            Três horas da tarde foi o horário em que entramos na galeria. O que tem de bom lá? Lojas de vinis e CDs; de tudo o que você imaginar. O resto das lojas é de roupas, acessórios e um monte de badulaques de todo tipo: brincos, piercings, anéis, correntes... Ah, e umas 45 lojas de All Star.  São seis andares de galeria, e às 5 da tarde chegamos ao quarto andar. Lembrando: estávamos só com o café da manhã como combustível.
            Comecei a sentir uma sensação estranha, uma inquietação. Mas não queríamos parar o passeio. Continuamos olhando tudo que nos chamava à atenção e percebi que o Doug também não estava em seu estado normal: ele começou a ficar nervoso e também reclamar de fome. Às 6 da tarde estávamos alucinados. Botei a mão na cabeça e senti falta dos meus óculos de sol. Procurei na bolsa, nas sacolas e nada. Perdi meus óculos, eu falei quase caindo de cansada. Não tinha outra: voltamos e entramos nas últimas 10 lojas que tínhamos visitado. Achamos os óculos no provador de uma das lojas.
         Percebemos que a fome estava nos deixando desnorteados e resolvemos sair para comer. Nisso, olho para a mão do Douglas e não vejo uma das sacolas com CDs e camisetas que tínhamos comprado. Cadê a sacola verde?, eu falei quase gritando. Eu dei pra ti, ele gritou de volta. Oh céus! 6:30 e, borgeanamente, pelo labirinto de tênis e caveiras, tivemos que procurar o item perdido. Imaginem a cara de gozação que a atendente da loja em que eu tinha perdido os óculos fez quando eu voltei para pedir se não tinha esquecido uma sacola verde também! Não estava lá. Virei minha fúria novamente para o distraído: Eu tenho certeza que te entreguei! Ele tinha certeza de que tinha deixado comigo. Não adiantava discutir, tínhamos que agir rápido. Descemos mais um andar e fomos entrando nas lojas, mas, àquela altura, todas pareciam iguais. Já com a barriga nas costas, entramos numa loja em que o Douglas tinha provado uma camiseta dos Mutantes e lá estava ela, nossa sacola verde, em cima de um banco, com um monte de gente ao redor escolhendo roupas. Essa foi por pouco. Aproveitei a mancada dele para dar uma resmungada: Quem costuma fazer essas coisas sou eu! Não podia perder a oportunidade de dar a minha lição de moral.
            Quase 7 horas da noite. Não sabíamos mais nem pra que lado ir. Lembrei que a Aline tinha nos indicado uma pizzaria em frente à galeria. Só que a galeria tinha duas frentes, exatamente iguais. Depois de mais umas quantas voltas, achamos a pizzaria. Que pizza! A melhor que comi até hoje, e com as mãos.
            Depois de devorarmos a pizza inteira, a paz voltou a reinar e pudemos rir do que tinha acontecido.
            No passeio do dia seguinte, que foi o do Museu do Ipiranga, fomos de ônibus, porque a pé seria o nosso fim, e quando eu reclamei a primeira vez que estava cansada e com fome, o Doug me olhou rindo e disse: Vamos achar um restaurante, urgente!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Kit Porco Zio

          
            Durante a nossa estada em São Paulo, ficamos hospedados na casa de uns amigos gaúchos que moram entre a Liberdade e a Aclimação: a Aline e o Rafael. Eu entrei em contato com ela dizendo que teria que ir a Sampa para encaminhar o visto. Ela, sempre muito parceira e amiga, logo me ofereceu abrigo no seu aconchegante apartamento. Fiquei muito feliz com a ideia e já pedi para ela fazer os cálculos de quanto iria dar a hospedagem. Ela, com aquele jeito brincalhão respondeu: Imagina, não vou te cobrar nada, só te peço uma coisa: traz um queijo e um salame de colônia, e também um pouco de vinagre pra mim. Tu tá brincando comigo, Aline? Não, disse ela; por favor, estamos sentindo muita falta disso aqui.
            Percebendo que ela não estava brincando, eu já pensei: como vou levar esses artigos fedorentos para São Paulo? Na minha mala é que não. Mas não podia negar um pedido da amiga de anos de cumplicidade, de quem até cantei no casamento. Então, preparei uma caixinha de papelão, enrolei com muito plástico-bolha os artigos que a minha supermãe conseguiu para mim e acomodei-os na caixa, que apelidei carinhosamente de "KIT PORCO ZIO". Já tinha planejado tudo. Iria despachar como bagagem e, a qualquer sinal de problema, fingiria que não era minha.
            A mulher do check-in viu os adesivos que botei, escrito: "FRÁGIL" (péssima ideia) e perguntou o que havia dentro. Eu, com naturalidade, afirmei que era comida e que coloquei o adesivo pois tinha uma minigarrafa de vinho também. Não posso despachar assim, ela disse, você vai ter que colocar numa embalagem especial. Só que a tal embalagem sugerida devia custar mais do que o que tinha dentro do nosso kit, e ainda teríamos que enfrentar uma nova fila. Então eu insisti: Não, é uma garrafa muito pequena (mentira, era uma garrafa de 600 ml) e mostrei com a mão, como se tivesse uns 6 centímetros no máximo, e eu embalei ela com muito plástico bolha. Mesmo que caia de um prédio de 10 andares (que frase infeliz), não vai quebrar. A moça hesitou um pouco, mas deixou passar.
            Confesso que, durante a viagem, eu imaginei aquela garrafa quebrando e espalhando o fartum do seu conteúdo por todo o avião. Na hora de pegar as malas, lá veio o KIT PORCO ZIO, triunfante e intacto.
            Valeu a pena o sufoco. A cara e a expressão de felicidade que a Aline e o Rafa fizeram quando viram o queijo e o salame e cheiraram o vinagre como se fosse o melhor dos perfumes franceses não têm preço.

A saga do visto parte II - O motoboy


            Retornamos a Bento no domingo, dia 25 de julho. Quando vi a pipa, me deu certo desânimo. Eu já tinha entrado no ritmo de São Paulo. Conseguimos fazer muitas coisas por lá em quatro dias (conto como foi em um outro momento), mas não tudo o que eu tinha planejado.
            Voltamos à rotina e ficamos aguardando ansiosos pelo dia 11. Mas confiantes, pois tudo tinha corrido muito bem no consulado. Já comprei até a passagem para a França, mesmo sem saber o resultado, porque, quanto mais perto da viagem, mas cara ela ficaria.
            O Rafael, amigo que nos hospedou em São Paulo, ficou de pegar para nós os passaportes e nos enviar por correio. O envelope chegaria na semana do dia 16.  Mas como um primo meu, o Marcos, estava vindo de São Paulo para Bento na sexta-feira, 13 de agosto, resolvi pedir a ele que pegasse os passaportes com o Rafa e me trouxesse em mãos. Ele, muito gentilmente, se prontificou a mandar um motoboy de confiança para pegar os documentos no trabalho do Rafa. Mando no início da tarde, disse ele, e depois te dou um ok quando receber. Mas eram duas, três, quatro horas da tarde e nada de ele me mandar um e-mail com a confirmação. Comentei com o Doug que tinha mudado os planos e que agora o passaporte não viria mais por sedex. Ele, romanticamente, pelo msn, me diz que não era pra ter mudado os planos e que, se eu perdesse os passaportes, penduraria meu couro na sacada. Sim, era brincadeira dele, mas eu, que já estava nervosa com a demora do motoboy, fiquei apavorada.
            Entrei em contato com o Rafa. O motoboy recém saiu daqui, disse ele, eram 5 horas da tarde, pegou os passaportes, mas não sabia o nome da pessoa pra quem ele tinha que entregar (falha minha, esqueci de dizer ao Rafa o nome do meu primo), mas vai entregar tudo na empresa em que seu primo trabalha. Oh céus, ele trabalha na redação de uma editora gigante! Liguei para o Marcos, que tentou me tranquilizar dizendo que eu estava me preocupando por nada, que no máximo às 6 horas o motoboy chegaria com todos os documentos e ele procuraria pelo meu. Imaginem se eu fiquei tranquila! Comecei a imaginar aquele motoboy pelas ruas tumultuadas de São Paulo, passando por dezenas de lugares, tirando lasca dos carros. Entre a ansiedade de saber se tinha saído o visto e os pensamentos no motoboy, quase chorei de emoção, digo, de pavor.
            Eu tenho essa mania de sofrer por antecipação e, claro, meu primo tinha razão: eu sofri por nada. Às 6 horas, recebi uma mensagem dele no celular: "Seu passaporte está comigo, são e salvo...rsrsrs". Desabei numa cadeira, aliviada por não ter o meu couro branquinho secando ao sol.
            Na sexta, tive o prazer de ir tomar um café com o meu primo, que eu não via pessoalmente há uns 10 anos.  Para ele não pensar que eu sou uma neurótica compulsiva e provinciana, disse que fiquei ansiosa só porque ainda não sabia o resultado do visto. Acho que ele não acreditou, mas, sempre muito inteligente, já puxou outros assuntos. Aproveitamos as duas horas que tivemos para matar as saudades e colocar os assuntos em dia. Gostaria que ele estivesse mais perto. A sua companhia é sempre descontraída e agradável.  Aproveito para agradecê-lo pela ajuda e pelas tentativas de me tranquilizar.

A saga do visto parte I


            Cidadão brasileiro pode entrar na França sem visto somente para uma estada inferior a 90 dias. Então, tivemos que encarar mais essa jornada rumo a São Paulo, pois em 6 de outubro de 2008 foi implantado o sistema de coleta de dados biométricos (fotografia e impressões digitais) para todas as pessoas que precisam de visto para ingressar na França ou no Espaço Schengen e  isto não pode ser feito em Porto Alegre.  
            A documentação exigida nós encontramos no site do consulado de São Paulo (saopaulo.ambafrance-br.org). Como o Doug vai a estudos, a burocracia é um pouco menor do que se fôssemos somente para visitar. Eu vou como dependente dele. Ainda bem que casamos no civil no início do ano, senão, a essas alturas, eu estaria chupando o dedo, pois eles são bem rigorosos nesse sentido.
            Como o Doug estava envolvido até o pescoço com a tese, eu cuidei de toda a parte burocrática. Tudo bem, vamos lá, Paris vale todos os sacrifícios.
            Comprei as passagens mais baratas que encontrei. Voamos pela WebJet. O Douglas ficou um pouco desconfiado e me fez garantir que não voaríamos com galinhas penduradas em gaiolas. Que nada! A companhia ainda não é muito conhecida, mas nada deixou a desejar. A viagem foi tranquilíssima e a empresa aérea ainda oferece ônibus grátis para o trajeto Guarulhos-Congonhas e vice-versa.
            Viajamos no dia 23 de julho e marquei a entrevista no consulado para dia 24, as 11:15 da manhã. Chegamos cedo: 10:30. O prédio gigante do consulado fica na Avenida Paulista, ao lado do MASP. Nos encaminhamos ao 14° andar, o nosso destino, e encontramos umas 8 a 10 pessoas esperando com o mesmo propósito que nós.
            O nervosismo estava estampado em todas as faces, inclusive nas nossas.  Ainda mais quando olhei para o relógio e batiam as 11:55. Fiquei com medo de que eles fechassem as portas a qualquer momento e tivéssemos que remarcar um outro horário, pois o site do consulado informa que o funcionamento vai das 8:00 às 12:00. O pensamento pessimista não se concretizou, uns dois minutos antes do meio dia, o Douglas foi chamado. Já entrei com ele, munida até os dentes de documentos. Posso dizer que sou uma pessoa prevenida: levei o que precisava e o que não precisava também, só para garantir.
Ao contrário de muitos que foram atendidos antes de nós, o procedimento foi rápido e até cordial. Nada como um “bom dia” com firmeza e a documentação em ordem minuciosamente precisa. Agora aproveitem São Paulo, disse a moça do consulado depois de conferir toda a papelada, o visto de vocês ficará pronto no dia 11 de agosto.

Aulas de Francês

          Ainda em maio de 2008, começamos um curso de francês, mesmo sem ter certeza sobre a viagem. Tínhamos que nos preparar, pois ouvi dizer que os franceses detestam falar inglês. Mas havia alguns empecilhos: a grana estava curta, a parcela do apartamento era altíssima; não tínhamos carro, porque ele virou argamassa do apartamento; não tínhamos muito tempo livre: nenhuma noite em comum. A Deise, minha cunhada, lembrou de uma amiga que morou dois anos e meio em Marseille: a Rosane. Ela topou nos dar aula no nosso apartamento, aos sábados, ao meio-dia e ainda fez um preço muito camarada. Foi a nossa salvação.      
           As aulas são muito boas e proveitosas. Fora algumas diferenças de personalidade entre os alunos. O Doug e eu nos damos muito bem como marido e mulher, mas, como colegas, somos um desastre. Eu não aguento algumas perguntas que ele faz e acabo tirando sarro da cara dele. Pra mim, ele para muito as aulas com porquês desnecessários, enquanto eu prefiro deixar a coisa fluir mais. A Rosane, que é uma ótima professora, se empenha em tirar todas as dúvidas do meu colega. Ele deve me achar uma colega muito chata e rabugenta. Eu também o acho um colega pé no saco. A nossa professora ri e eu não sei se ela está se divertindo ou se está arrependida de ter nos aceitado como alunos.
           A Rosane é uma pessoa fantástica, super bem humorada, inteligente e amável. Além das aulas, ela nos ajuda com algumas questões burocráticas, receitas culinárias, depoimentos da sua estada na França e até com terapia de casal. 
           Enfim, entre ótimas aulas, cafés e brincadeiras, estamos nos virando muito bem no francês. Nossas aulas vão até a última semana de agosto deste ano. Já sinto falta da nossa querida amiga "professeur".

Passaportes

               Escrito em junho de 2010

            O primeiro passo para quem quer viajar para fora do Mercosul é providenciar o passaporte, que é bem tranquilo de fazer. No site da Polícia Federal (www.dpf.gov.br) tem todas as informações necessárias. O site é bem organizado e fácil de compreender. É só agendar um horário via internet. Nesse site tem todos os passos e a documentação é simples; o único inconveniente que tivemos foi ter que ir até Caxias do Sul pra encaminhar e ir novamente para buscar. Perdemos praticamente dois dias inteiros, pois o horário de atendimento era bem estreito e tivemos que conciliar com os horários de ônibus. Mas não tivemos dificuldade em encarar o pesadelo burocrático com bom humor: Saquei do bolso uns mapas feitos a mão que copiei do Google Earth e nos embrenhamos por uns morros e ruas estreitas para chegar ao lugar. Na volta, resolvemos mudar de caminho e nos perdemos, então começamos a apostar quem tinha razão, pois em um determinado momento eu queria pegar a direita e o Doug a esquerda. O Doug ganhou a aposta depois de pedirmos informação para um nativo.          
            Lá na Polícia Federal, não tivemos problemas com o atendimento. Fomos super bem tratados, diferente de um amigo meu que reclamou pra caramba e me disse que eles eram bem chatos. Aí eu perguntei:  por quê? Ele disse que não levou o comprovante de que tinha votado na última eleição e teve que retornar a Caxias mais uma vez para levar o documento. Mas na lista de documentação que a polícia pede, o comprovante de votação é essencial; então, se seguimos à risca o que está no site, não temos com o que nos preocupar.  O tempo de espera lá foi curto e o lugar é aconchegante, com cadeiras estofadas e até uma televisão para distrair.  A Polícia Federal fica dentro do CIC de Caxias do Sul. Na frente da sala tem um lago que serve de moradia para uns patos caxienses. Depois de encaminhar o passaporte, ficamos admirando a paisagem e respirando o ar puro daquele lugar inusitado. 
            O próximo passo da nossa jornada, será encaminhar o visto, e pelo que já me informei, com a minha assessora: a internet, teremos que viajar de novo, desta vez, para um pouco mais longe.

Anos de expectativa

           Escrito em junho de 2010
   
          O Doug estava no segundo ano do doutorado, maio de 2008, quando a orientadora dele deu a ideia de tentar uma bolsa "doutorado sandwich" em Paris, na Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III). Eu levei um susto quando ele chegou em casa e me intimou para ir com ele. Eram duas as opções de bolsa: CAPES – 4 meses, CNPq – 10 meses. A minha primeira reação foi de uma felicidade infantil. A segunda reação foi desespero com pitadas de neuroses do tipo: Vou largar tudo, será? E o emprego de uma década? Será que não consigo negociar uns dois meses de dispensa e voltar para o meu posto? E o apartamento? E a família? A terceira reação foi: Claro que vou largar tudo. Por onde começo? Bom, vamos com calma, me disse o Doug, eu tenho que conseguir a bolsa primeiro.
          A essas alturas eu já tinha contado a novidade para metade da cidade, e isso só me fez ficar mais ansiosa. E se a bolsa não sair? Já arrumei a minha mala imaginária, já gritei aos quatro ventos que vou viajar.
          Depois de um ano e meio de espera, saiu o resultado da CAPES, a bolsa que achávamos que era mais garantida: NEGATIVO. Meu mundo caiu! Eu fiquei todo este tempo na expectativa e levei um balde de água gelada na cabeça. Não comecei nada novo pra não ter que parar no meio do caminho. Se pelo menos eu tivesse segurado a língua dentro dos dentes, estaria um pouco menos frustrada. O Douglas é mais contido: só contou pra família e para alguns amigos mais próximos. Depois da queda, fiquei mais prudente também e, para os que me perguntavam da tal viagem, eu respondia: Tu vê, temos que esperar, é difícil conseguir a bolsa, não é bem assim, não temos ainda certeza se vamos, blá, blá, blá... Que mico! 
           Mas nem tudo estava perdido: ainda tínhamos o processo da bolsa do CNPq. No mês de maio de 2010, dois anos depois da ideia ter surgido, saiu o segundo resultado. Eu estava trabalhando e a telefonista me disse: seu marido na linha. Fiquei preocupada, somos casados há três anos e ele nunca me ligou no trabalho; deve ter acontecido uma coisa muito grave. Mas aí, tentando camuflar a felicidade da sua voz, ele me dá a notícia: Pode arrumar as malas, mon amour, agora são 10 meses na França e não vale desistir.

Ouro de Tolo

              Este texto foi escrito nos últimos dias de maio de 2008
           
          Para a maioria das pessoas da minha geração, chegar aos 28 anos com um apartamento quase pago, formada, com um bom emprego, é o sonho de adolescente realizado. Eu devia estar contente, mas para mim é uma piada olhar no espelho todas as manhãs e conseguir enxergar nitidamente os meus próximos 10 anos de vida como se o espelho fosse o oráculo de Delfos. Estarei ainda casada, num apartamento maior, no mesmo emprego, ou outro similar, trabalhando 12 horas por dia, regando as plantas e dando comida para o gato.
          Além de trabalhar há 10 anos numa empresa, na área administrativa, dou aulas de administração num curso técnico. Meu marido é professor e escritor. Saímos da casa dos pais em 2007, quando resolvemos unir as alegrias e as despesas. Também decidimos montar uma banda de rock, pois a música nos une desde o primeiro encontro. Me lembro como se fosse hoje: eu quis mostrar uma música para ele e, quando abri o porta-luvas do carro, caíram umas 38 fitas no chão. Revirei tudo e até hoje não achei a música, mas dançamos muitos boleros, sambas, tangos e rocks desde então. A rotina é a nossa única inimiga. Cumprir horário deveria ser proibido por lei. Nunca tenho tempo para não fazer nada. Para o Douglas é mais tranquilo: ele dá aula somente à noite, então tem o dia para ler, escrever, preparar as aulas, enfim, tudo o que ele gosta de fazer. O meu caso é mais complicado: peguei tanta coisa, que só consigo parar quando fico doente. Além das atividades remuneradas que citei acima, ainda faço inglês e canto num coral.
           Essa era a minha realidade até este mês de maio, mas eis que lá pelo dia 20, o Doug chegou em casa e me fez uma proposta que quebraria o meu espelho profeta: Vamos à Paris?