sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Procurando a Geração Perdida

           Logo que cheguei em Paris tive a ideia de pendurar o mapa da cidade num mural que tem no nosso quarto. Não somente pelo fato de admirar a cidade, mesmo quando estou em casa, mas também para grifar as ruas por onde passei. Toda vez que chego de um passeio pela cidade, pego minha destaca-texto verde e pinto as ruas que conheci no dia. Quando pendurei o mapa, ele era todo branco; agora já vai ficando cada vez mais colorido.  
           Essa semana eu estava a admirar o meu mapa e vi algumas ruas do Quartier Latin que ainda não tínhamos explorado. Fui pra internet e descobri que numa daquelas ruas tinham morado Hemingway e Joyce. Fiz o convite para o Douglas para irmos lá hoje, e ele, naturalmente, aceitou na hora. Então, combinamos de nos encontrar depois da minha aula de francês numa praça perto da Sorbonne. Chegamos quase ao mesmo tempo à praça combinada: de um lado, eu com minha colega tailandesa; de outro, o Douglas, que ia passando da praça sem vê-la.
           Eu já tinha desenhado meu mapa, pois as ruas de Paris não são perpendiculares umas às outras; elas fazem voltas, e é muito fácil se perder por aqui. Assim, seguindo meus desenhos, descemos a Rue de l”Estrapade e chegamos à Place de la Contrescarpe, que fica na Rue Mouffetard, uma praça no coração do Quartier Latin, rodeada de bares que, provavelmente, foram frequentados por figuras importantes que citarei mais adiante. Tem até uma música do Jacques Brel chamada “Place de la Contrescarpe” (http://www.jukebo.com/jacques-brel/clip,place-de-la-contrescarpe,3u3xf.html). Me despedi da minha amiga tailandesa, que havia nos acompanhado até encontrar uma estação de  metrô, e seguimos pela mesma rua “Mouffe” até encontrarmos a estreita Rue Descartes. Nessa, logo nos deparamos com a antiga casa de Verlaine, onde hoje funciona um restaurante.   
           Depois, seguimos pela Rue du Cardinal Lemoine e, quando chegamos ao número 71, encontramos a casa emprestada a James Joyce para terminar o livro “Ulisses”. Esse quartier é impressionante. Fiquei imaginando o Joyce subindo a rua concentrado ou a Piaf cantarolando “padam padam” e chutando umas latas que estavam no chão. Andamos mais um pouco e, no número 74, encontramos uma placa em homenagem a Hemingway. São exatamente aquelas ruas que o escritor cita no livro “Paris é uma Festa”, e estávamos ali, em frente à sua casa. Imaginem a nossa emoção de percorrer os caminhos feitos por toda a Geração Perdida! Inexplicável a sensação.
           Continuando a caminhada pelo Quartier, fizemos toda a Rue des Écoles, e meu mapa manual chegou ao fim. Começamos então a nos perder por Paris. Encontramos o parque da École Polytechnique e, mais adiante, a estátua de Montaigne com seu pé dourado para as pessoas fazerem seus pedidos. E lá fomos nós também incomodar o gênio pra realizar nossos desejos. Pra terminar o passeio, com o sol recolhendo seus últimos raios, chegamos às margens do Sena, que é o melhor lugar para ver as cores do outono. Além disso, os bares nos arredores estão cada vez mais cheios e nós estamos cada vez mais apaixonados pela cidade. Montaigne, tenho mais um pedido: faça com que esta festa demore para acabar!



Rue Descartes
  
 

  



 


 






quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O Rato

             Nesse final de semana que passou recebemos mais uma visita. Minha prima e seu marido, que estavam fazendo um tour pela Itália, passaram o final de semana aqui em Paris. Marcamos um encontro no sábado, às cinco horas da tarde em frente à Notre Dame. O que eu não esperava é que, com aquele frio, tivesse tanta gente por lá. Mesmo assim, minha prima, com seu olhar além do alcance, nos encontrou em menos de cinco minutos.
            Abraços e beijos e fomos passear pelo Quartier Latin e pelas margens do Sena. Paris estava linda com suas ruazinhas estreitas e seus cafés abarrotados, até que a chuva começou a cair muito forte, e tivemos que nos enfiar terra abaixo pela primeira estação de metrô para procurar um abrigo. Ficamos de uma estação a outra na esperança de que a chuva desse uma trégua. Meia hora de subsolo e nada da maldida parar, então resolvemos que melhor do que ficar ali era procurarmos um café. Já saindo da estação, avistamos um bar. Entramos e fomos conduzidos pelo garçom para o andar de baixo. Ficamos ali bebendo nossos cafés, comendo croissants e curtindo aquele ambiente cult, chique e aconchegante, até que...
            Vi um pequeno vulto no chão. Não falei nada, mas fiquei com um olho na mesa e outro no piso. E lá veio ele de novo avultando pro meu lado. Todo cinza e com aquele rabinho comprido, chegou bem perto de mim, me olhou nos olhos e voltou para debaixo de uns sofás. Eu olhei pra meus amigos, branca de susto, e falei: tem um rato aqui. Eles, naturalmente, não acreditaram em mim; acharam que eu tava de piada. Mas o ratinho me ajudou a provar: voltou a aparecer umas duas vezes, causando espanto coletivo.
            Já tínhamos tomado nossos cafés, então resolvemos cair fora. Na saída, o Douglas ainda falou para o garçom: tem um rato lá embaixo. O garçom riu e disse com naturalidade: um rato de Paris. E fez uma cara de: você queria que não tivesse ratos aqui? Só faltou completar: sim, é nosso rato de estimação. Ele não fez absolutamente nada, nem cara de constrangido. Achou aquilo muito normal e ainda riu. Minha prima, atordoada, começou a falar italiano com o garçom, reclamando que não tinha graça, que não era o Topo Gigio. Saímos do café apavorados. Mais com o garçom do que com o rato. Mas nem o rato nem o garçom acabaram com o nosso encontro: ainda fomos tomar um vinho italiano e dar umas risadas no hotel onde meus primos estavam hospedados. Minha prima Neusa, apesar de estar enojada com o roedor, continuou fazendo piada. Aliás, que humor o dela! Passei o final de semana todo rindo.
             No dia seguinte, fizemos o famoso passeio de barco pelo Sena. Inesquecível! Uma hora de emoções. A cidade vista do rio é mais linda ainda. Fomos também passear pelo Champs de Mars, só que a chuva definitivamente não nos largou. Paris tem dessas: você olha pro céu antes de sair de casa e não vê nenhuma nuvem, porém isso não quer dizer nada. Sempre leve seu guarda-chuva e um casaco. Infelizmente, não foi o que fizemos, e a chuva novamente começou a cair sobre nossas cabeças. Nossa sorte é que estávamos a alguns metros do maior e mais lindo guarda-chuva do mundo: a Torre Eiffel. Nos abrigamos debaixo dela e esperamos o tempo melhorar. Como sempre, a chuva passou rápido e, depois dela, o sol finalmente deu as caras e pudemos ir com nossos amigos visitar o Jardim de Luxemburgo. Eles não poderiam ir embora sem ver aquela maravilha. Ficamos lá um tempo e, quando o guarda soltou o apito avisando que iria fechar, fomos tomar um café em frente ao jardim.
            Nesse não vimos ratos, mas não pude deixar de lembrar do bichinho quando vi as bolinhas pretas do chocolate boiando na superfície da minha xícara. Comentei com eles a minha impressão e minha prima soltou uma gargalhada. O final de semana todo foi nesse ritmo de alegria. Fazia tempo que eu não ria tanto.
            No final do domingo fomos acompanhá-los até o metrô. Eu tava tão contente com a visita deles, que não me concentrava nos trajetos; me perdi várias vezes. Mas o marido da minha prima deu conta de nos localizar sempre com o seu mapa em mãos. Ainda no metrô, os dois enganaram a catraca que tanto complicou com a vida deles nesses quatro dias. Eles tinham gasto muito dinheiro num bilhete para quatro dias, mas na hora de passar a roleta, a mesma apitava e dava sinal de que o bilhete não valia. No último dia, eles já estavam comprando tickets toda vez que andávamos de metrô, até que, na última viagem, eles puderam se vingar do sistema. Quando iríamos passar pela roleta, e eles teriam mais uma vez que enfrentar fila e comprar bilhetes, uma porta especial para pessoas com malas abriu, e os dois se mandaram junto com as pessoas que passavam. Foi muito rápido. Nem eu vi o que eles fizeram. Fiquei procurando o casal, preocupada com o fato de que eles teriam que comprar bilhetes no meio de toda aquela gente. Quando olho pra frente, o Sadi, marido da minha prima, nos abanava do outro lado da roleta. Vi na cara deles a felicidade de terem enganado a catraca que tanto os fez sofrer. 
          Essa foi a última imagem que tive deles: tirando sarro do sistema francês. E, no final, mais uma despedida. Apesar do rato, o final de semana foi perfeito. É muito bom poder dividir essa cidade com pessoas das quais gostamos. Quem será a nossa próxima visita? Venham! Conheço um bar aqui em que você toma um café no porão que é uma delícia!







segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Encontros e despedidas

             Estávamos há quase dois meses aqui em Paris sem ver nenhum conhecido, mas sexta o destino me presenteou com um encontro mágico com uma amiga de Bento. E não foi qualquer amiga; foi uma amiga que eu não via há muitos anos. A última vez em que nos encontramos deve fazer pra mais de cinco anos, e lembro que foi no café do Shopping L’América. Agora tivemos a oportunidade de nos encontrarmos em Paris.

             A Thaisa é uma amiga da infância feliz e intensa da Giovani Menegotto, rua em que crescemos e que exploramos com nossas bicicletas. Amiga também de caminhadas, baladas, confissões e planos da adolescência. Por razões que só o destino conhece, seguimos caminhos diferentes e ficamos sem contato por muitos anos. Semana passada eu mandei as atualizações do meu blog para meus contatos e, pra minha felicidade, ela respondeu dizendo que estava vindo para uma feira aqui em Paris. Duas ou três ligações e, à uma hora da tarde de sexta, nos encontramos no Meridian Étoile. Ela me esperava no saguão e veio ao meu encontro de braços abertos e sorriso nas orelhas.             
Depois que ela fechou a conta, saímos para um passeio, não mais pelas ruas do bairro São Roque, mas pelas calçadas do Montmartre. Felizes da vida, como aquelas duas meninas que achavam o máximo se aventurarem pelo centro de Bento. Ela queria conhecer a Basílica do Sacre Coeur, então pegamos um metrô, descemos na estação Lamarck Caulaincourt e subimos as charmosas ruas em direção ao templo. Não tinha muitos turistas, então pudemos aproveitar o que o lugar nos proporciona: nada mais do que a linda Paris vista de cima. Curtimos aquele momento único e depois fomos dar uma passeada pelo quartier do Moulin Rouge e tomar um café parisien que a minha amiga fez questão de pagar pra mim.  Tivemos somente duas horas para matar as saudades e para contar as novas, pois às quatro da tarde ela deveria estar de volta ao hotel para depois seguir rumo ao aeroporto.
Tem amigos que você fica um tempo sem ver e, quando encontra, não tem nada pra dizer. Não foi o nosso caso. Apesar de o tempo ter sido curto, estávamos ofegantes de tanto falar. Não teria faltado assunto nem se tivéssemos ficado vinte e quatro horas conversando ininterruptamente. Pena que o relógio foi nosso inimigo. Já na hora de ela ir embora, comprei dois postais para ela entregar à minha família, e enquanto eu escrevia os recados, cheia de saudades e lembranças, ela me olhava com lágrimas nos olhos.
            Não chora, Thaty, a vida tem dessas. Certamente nos encontraremos mais vezes de hoje em diante, no Bairro Aparecida ou na Champs-Élysées, no Shopping L’América ou no castelo de Buckingham. O que importa é que a amizade continua a mesma.
            



sábado, 23 de outubro de 2010

Milhares de fotos

            Se você vier pra Paris, jamais saia de casa sem a sua máquina fotográfica. Mesmo que você não vá visitar algum monumento ou jardim. Sempre leve a sua digital na bolsa. É impressionante como tem coisas bonitas nessa cidade em lugares que você nem imagina. Logo nos primeiros dias aqui, estávamos perdidos por umas ruas do Marais e, quando olho para o lado, me deparo com um castelo. Até já publiquei a foto no blog, mas, de tão lindo, vou publicar a foto de novo. E essa cena aconteceu muitas vezes desde então, só que a cabeça aqui frequentemente esquecia a máquina em casa.
            Eu sempre concordei com a teoria de que quem muito fotografa pouco vê. Mas depois que vim pra Paris eu comecei a mudar um pouco o meu pensamento, e vou dizer por quê: talvez seja a primeira e última oportunidade de eu estar aqui; e outra: e os meus amigos que não estão comigo e que eu queria que estivessem? Como vou descrever tudo que vi com palavras? Nem que eu fosse a reencarnação do Tolstoi eu conseguiria. Um dia eu discuti esse assunto com uma amiga na mesa do antigo Boteco do Dé. Eu dizia pra ela: detesto quando as pessoas fazem foto de tudo, elas não enxergam o que fotografam. Aí minha amiga respondeu: tu vai ver quando tu for viajar e ficar deslumbrada com o que vê; tu vai querer fotografar tudo. E eu retrucava: não vou não, eu acho isso o fim. É, mordi a língua; não tem como não fotografar Paris.
           O Douglas e eu também entramos em conflito quando o assunto é foto. Eu vou bem longe da câmera e digo: pega mais a paisagem e menos eu. Ele fica reclamando e dizendo que eu pareço uma formiga e que não tem graça se não dá nem pra reconhecer quem é. Mas é que a minha cara é muito menos importante do que o Arco do Triunfo, por exemplo. Eu prefiro que cortem a minha perna, mas que, pelo amor, não cortem as torres da Notre Dame. Outra coisa que o Douglas não gosta é de tirar foto só da paisagem. Se tu não vai aparecer na foto, que graça tem? Pega na internet que tem centenas iguais a esta, me diz ele. Mas é que pra mim não é a mesma coisa pegar na internet: eu sei que fui eu que bati aquela foto, que escolhi o ângulo e que eu estava lá naquele exato momento.
          Eu gosto de bater foto de lugares como os bares do Quartier Latin. O Douglas só me olha e diz: o que tu tá fazendo? Batendo foto do bar, ué. Que estranha que tu é!, diz ele. Se fosse da rua toda pelo menos...
          Porém, eu me divirto. Não saio mais de casa sem a máquina e, nessa brincadeira, já batemos quinhentas fotos aqui em Paris, registrando desde o Château de Vincennes e a Tour Eiffel até a cerveja e o pimentão caricato que compramos no Fran Prix.  Se continuarmos nesse ritmo, voltaremos ao Brasil com duas mil e quinhentas fotos na memória. Como a minha memória não tem tanta capacidade assim, eu prefiro garantir que não esquecerei essas imagens jamais.    
























quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Amizades orientais

            Os grupos de conversação que frequentamos toda a semana são ótimos para praticar a língua e também para conhecer pessoas. Toda semana podemos nos inscrever em até três grupos diferentes. Estamos conhecendo gente de quase todos os cantos do mundo: além dos brasileiros, que estão por toda parte, tem vietnamitas, russos, alemães, italianos, iranianos, taiwaneses, mexicanos, argentinos, chineses e japoneses. O que não vejo nos grupos são os americanos. Não conheci nenhum até agora, apesar da Casa dos Estados Unidos ser uma das maiores daqui. Acho que eles não querem se misturar muito.          
            Em cada conversação a turma muda, mas sempre tem aquelas pessoas que, como nós, vão toda semana. Assim, acabamos reencontrando os que sempre vão e criando um vínculo maior com eles. Tem uma japonesa que está em todas e é tão simpática que não pude deixar de puxar papo no final de um dos encontros. Vous êtes très sympathique, eu falei. E não foi gentileza minha;  ela tá sempre rindo, até quando fala. Viemos uma noite juntas pra casa, e ela me mostrou os peixes vermelhos que moram num pequeno lago em frente à Casa do Japão. Eu quis retribuir a simpatia e a convidei pra tomar um café na nossa casa. Ela aceitou na hora, com um sorriso. Entrou na Casa do Brasil já maravilhada com o convite e ficou impressionada com a arquitetura diferente. E eu tive aquela sensação de estar fazendo alguém feliz. Na saída, ela agradeceu muitas vezes, trocamos endereços de e-mail, e ela me convidou para algum dia jantarmos uma comida japonesa que ela mesma preparará.  Depois que ela foi embora, o Doug e eu ficamos conversando sobre isso. Será que é cultural os orientais convidarem pra almoçar e jantar nas suas casas? No Brasil não se faz isso no primeiro encontro, não de amizade pelo menos. No máximo, um café em algum lugar público.
            Eis que agora eu tive certeza de que isso é típico do Oriente. No meu curso de francês eu conheci uma tailandesa. Ela chegou na terceira aula, sem livros e sem cadernos. A professora já deu aquela detonada. Eu fiquei com pena e, no fim da aula, fui conversar com ela pra dizer os livros que ela teria que comprar. Além disso, no dia seguinte, sentei com ela pra ajudá-la com as lições, afinal o português está muito mais perto do francês do que o tailandês. Ela tem muita dificuldade. No final da aula, ela me perguntou se eu gostava da cozinha oriental, vi na expressão dela a felicidade por eu ter ajudado Eu disse que oui, j’aime beaucoup. Então ela me convidou pra almoçar no restaurante tailandês que a mãe dela abriu aqui em Paris. E, como se não bastasse, ainda apareceu hoje com um presente pra mim: um pote cheinho de sushi que ela pegou no restaurante de comida japonesa da tia. Me deu até aquele molho de vinagre para acompanhar.
              As minhas amigas de olho puxado são muito simpáticas e ainda me presenteiam com deliciosos pratos orientais. Eu é que não sei o que vou levar de presente pra minha amiga tailandesa agora. Se pelo menos eu tivesse posto umas havaianas na mala...

domingo, 17 de outubro de 2010

Château de Vincennes

            Hoje o frio do hemisfério norte começou a mostrar as suas garras, mas como bons gaúchos não nos intimidamos e fomos para um passeio ao ar livre no Château de Vincennes. O lugar é encantador. Aí vão algumas fotos.

 


 




 

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Corra, louca, corra!

              Hoje o Douglas saiu cedo para um colóquio sobre Jean Anouilh em Créteil e eu fiquei dormindo. Estou me vingando de todas aquelas manhãs em que tive que acordar independente da chuva ou do frio, às seis e meia da matina. Agora eu fico me revirando na cama até às 10 ou 11 horas. Mesmo que eu não tenha mais sono. Eu fico na cama afofando o travesseiro com a cabeça e curtindo as minhas férias prolongadas no quentinho.
              Hoje não foi diferente. Era 10 e pouco e eu estava naquele estágio de acordar, pensar no que tem pra fazer e dormir de novo. O celular estava no soneca, então a cada 10 minutos ele dava uma buzinada. Entre um alarme e outro, comecei a ouvir uma sirene muito mais forte do que a do meu celular; parecia o alarme do prédio. Não dei muita bola; só fiquei de olho aberto pra ver se acontecia alguma coisa. A buzina continuou berrando e cada vez mais forte. Quando eu já estava decidida a pular da cama pra conferir o que estava acontecendo eu ouvi quatro pancadas na porta, como na Quinta Sinfonia de Beethoven anunciando a chegada do destino. Comecei a tremer e meu coração bateu forte. O prédio tá pegando fogo, eu pensei assustada.                          
            Abri a porta, de pijama ainda, e vi as pessoas saindo de seus apartamentos e descendo as escadas. A moça do quarto da frente estava na mesma situação que eu: cara amassada, de pijama e sem entender nada. Fechei a porta decidida a vestir uma roupa normal e descer. Só que nesse momento já era umas 10:20, e às 11 horas eu teria que sair pro meu curso. O prédio possivelmente pegando fogo e eu em estado letárgico pensando: será que levo a bolsa e os livros? Pelo menos assim eu salvo meu passaporte. Mas eu tenho que tomar café ainda! Fui até a sacada e não vi nada: nem fumaça, nem gente olhando pra cima.
           Vesti uma roupa e corri rumo ao elevador. Ali perto tem a sacada que dá pro outro lado do prédio. Resolvi conferir: nada de fumaça e nenhuma movimentação. Aí eu comecei a sentir um calor na perna. Logo me ocorreu que pudesse ser o fogo chegando até mim. Nisso olho pro lado e vejo que estou quase encostando no aquecedor.  A essas alturas o alarme já tinha parado de tocar. Aí pensei: o fogo deve ter consumido os fios e, por isso, o alarme parou.  Voltei pro apartamento, botei a água pro café no fogo e deixei a porta aberta. Qualquer sinal de fumaça, eu sairia correndo. Nisso, ouvi barulho no corredor, saí e vi um cara mexendo no alarme de incêndio. Perguntei em português o que estava acontecendo, e ele, espantando por eu estar ali, respondeu em francês: você deveria estar lá embaixo. Aí eu respondi: mas eu não posso, eu tenho um compromisso às 11 horas, vou me atrasar. Ele respondeu: Ce n’est pas grave. Traduzindo: tudo bem, nem esquenta.
          Entrei novamente no apartamento, dessa vez bem mais tranquila, e deixei a porta aberta, pois ainda não tinha certeza do que estava acontecendo. Dali a pouco a galera começou a voltar em massa para seus quartos. Olhei para o vizinho que estava chegando de bermuda e chinelo e disse: achei que ia morrer queimada!. Aí ele me explicou que era um treinamento de incêndio, e que todos deveriam descer imediatamente. Ainda me contou que a diretora da casa usou a seguinte frase: quem desceu teria se salvado; quem ficou lá em cima, a essas horas estaria morto.
           Não sei o que me deu na hora. Só sei que não consegui descer. Certamente teria morrido carbonizada. Na próxima vez em que eu ouvir os alarmes soando, serei a primeira a chegar do lado de fora do prédio. É muito cedo para os sinos dobrarem por mim.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Greve faz bem para os olhos

             As fotos abaixo foram tiradas hoje num período de pouco mais de uma hora, tempo que demorei pra voltar da Sorbonne até em casa.  Eu tinha duas opções: esperar noventa minutos pelo ônibus ou caminhar cerca de três quilômetros por Paris. Eu escolhi a segunda opção. Aí vai o resultado:   

          1ª imagem: Encontrei uma exposição na saída da Sorbonne. Me chamou à atenção a forma que a artista montava os quadros, pois usava, além de tinta, tickets de metrô, propaganda de peças de teatro, shows, imagens recortadas de revistas e jornais, etc.
                   
 

            
              2ª imagem: Uma manifestação bloqueando uma das principais avenidas da cidade. Estamos há 40 dias aqui e essa é a terceira ou quarta greve que pegamos. Por isso é que eu não tinha a opção do metrô, e o ônibus iria demorar tanto. Quando encontrei esse povo todo, tive que me deslocar duas quadras do meu caminho para poder atravessar num lugar menos tumultuado. Eu só consegui fazer essa foto, porque dava medo de chegar mais perto, o barulho era ensurdecedor. As pessoas estavam com bandeiras e camisetas da greve e também com autofalantes que usavam pra discursar e cantar jingles que eu não decifrei o que diziam, mas acho que era algo como: "Trabalhadores unidos, jamais serão vencidos". Pelo menos o ritmo era o mesmo.



              3ª, 4ª e 5ª imagens: Logo depois de conseguir passar pela manifestação, encontrei estes simpáticos pombos. Que depois dos franceses e chineses, são a população mais presente por aqui. Eles estão por toda parte. Esses dias estávamos dentro do metrô, a porta estava aberta, e um pombo ciscava a menos de um metro de nós, com a estação cheia de gente. Eles não se abalam com a presença humana, aliás é você que tem que tomar cuidado com eles, porque passam a milímetros da sua cabeça numa velocidade que dá medo. A sequência abaixo mostra isto: cheguei perto pra tirar a foto e eles nem deram bola. Então eu cheguei mais perto pra bater a segunda foto; alguns se intimidaram um pouquinho, mas o restante continuou comendo. Eles só voaram quando eu quase encostei a máquina num deles pra fazer um close do olho.







           As útlimas três imagens são do Parc Montsouris e de seus habitantes. O parque fica bem pertinho da nossa casa, na frente da Cité Universitaire.






            Se não fosse a greve, eu teria pego um metrô ou um ônibus e em dez minutos teria chegado em casa sem ter visto nada disso. A greve não vai melhorar a minha aposentadoria, pois me aposentarei no Brasil, mas pelo menos me proporcionou belas visões na França.          

domingo, 10 de outubro de 2010

Dia cinematográfico

             Hoje o sol nos acompanhou o dia todo. E que dia! Tivemos a brilhante ideia de visitar a Cinemateca de Paris. Demos uma conferida na internet pra saber os horários e descobrimos que, no domingo, até à uma hora da tarde, a entrada para o museu da cinemateca é de graça. Já era meio-dia, mas resolvemos tentar. Tudo é tão caro aqui em Paris, que temos que aproveitar ao máximo essas promoções.
             Pegamos dois metrôs até lá, mas mesmo assim conseguimos chegar faltando dez minutos para a uma. Ainda bem que o francês já está mais fluente, pois tivemos que nos defender da moça do atendimento que “não lembrava que era de graça”. Depois de explicarmos que vimos na internet, ela confirmou com um colega e entramos no museu sem pagar um euro.
             A cinemateca, que foi fundada em 1936 por Henri Langlois, Georges Franju, Jean Mitry e Auguste Paul Harle, tem dois andares de museu. Pra quem gosta de cinema o lugar é o paraíso: parece que você está passeando pelos cenários dos filmes que mais gosta. As salas são pretas e você tem que ficar atento para captar tudo que o lugar tem para mostrar, pois até no chão são projetadas imagens. Além disso, o som parece que caminha atrás de você, e uma mesma sala chega a ter três filmes passando ao mesmo tempo.
             Entre as obras expostas, estão alguns figurinos, como um manto de mago utilizado no filme de Georges Melies “Voyage dans la lune”, de 1902;  a roupa de papa de Ringo Starr no filme “Lisztomania” de Ken Russel, de 1975; a capa e o vestido da atriz Stacia Napierkowska no filme “Atlântida,” de 1921, e a roupa vestida por Albert Lambert em 1908 no filme “L’assassinat du Duc de Guise”.        
             Além disso, há acessórios e maquetes: a caixa preta e amarela usada pelo ciclista do filme de Buñuel “Un chien andalou” e a cópia em tamanho natural do robô do filme “Metrópolis”, de Fritz Lang, que quase me fez chorar com o cenário do filme ao fundo e, no chão da sala, uma parte do filme sendo projetado.
            Para quem gosta do expressionismo alemão, há muitas coisas sobre “O Gabinete no Dr Caligari”, inclusive quadros e cartazes da época. Já para os fãs de Charles Chaplin, há um espaço especial reservado a ele, com três engrenagens originais usadas no filme “Tempos Modernos”, fotos, pinturas e um auto-retrato de 1920, que de tanto que amei, tentei reproduzir no desenho abaixo, já que é proibido tirar foto.

Há muitos cartazes de filmes antigos também: La dame aux camelias, de 1911, com uma inscrição “film d’art”, o que já deixa transparecer uma intenção de distinguir o que é cinema de arte e o que não é, e “La Belle et la Bête”, do Cocteau, de 1946, tem um cartaz tão grande que faz no mínimo dois dos cartazes atuais.
Outros objetos também ajudam a contar a história do cinema. Tem até uma estatueta do Oscar ganha por Henri Langlois em 1974; um exemplar da revista Cahiers du Cinéma de 1968 e ainda câmeras e engenhocas dos mais variados tamanhos, cores e épocas, como a “Lanterne de projection” (1888 e 1989), “revolver photographique” (1873), a Lanterne magique polichrome (1860), o Praxinoscope (1879), o kinetoscope de Thomas Edison (1894-1895), o Thaumatrope (1826) e a câmera chronophotographique (1886).
Na cinemateca, também se pode ver muitos clássicos passando nas diversas telas espalhadas pelo museu: Acossado, Tempos Modernos, Metrópolis, Um cão andaluz, Atlântida, Lisztmania, A estrela do mar, o Gabinete do Dr Caligari...
           Quando terminamos de ver tudo, a vontade que tínhamos era de voltarmos para o início, como aquele livro que você termina e fica tentado a reler no mesmo instante.  Demos mais um giro pelo local pra ter certeza de que não tínhamos deixado nenhum clássico pra trás e saímos do lugar como se o melhor filme que vimos até hoje tivesse acabado.
           A cinemateca fica praticamente dentro do parque Bercy, então, na saída, resolvemos conhecê-lo. Outra surpresa: um parque cheio de canteiros com flores, folhagens e verduras. Me fez até lembrar da horta da minha avó de tão bonito que é. As pessoas, como é costume aqui em Paris, ficam sentadas ou deitadas no gramado, lendo, conversando ou comendo. Caminhamos umas duas horas pelo parque; depois compramos comida, sentamos na grama ao sol como os parisienses e matamos a fome de horas
           Saindo do parque, encontramos a Passarela Simone de Beauvoir, que dá, nada mais nada menos, que na Biblioteca Nacional da França. Passamos por ela e pegamos um ônibus para casa para ver melhor a cidade. O metrô seria mais rápido, mas como é subterrâneo na maior parte do seu trajeto, não conseguiríamos ver as ruas.
           É, tem dias em que ficamos indignados com a burocracia francesa; mas tem outros em que você cai na real e percebe que está numa das cidades mais lindas do mundo, com mil coisas pra fazer, mil lugares pra visitar e com muitos parques floridos para passar num domingo de sol com o amor da sua vida.














sábado, 9 de outubro de 2010

Torre Eiffel

Ela é linda, gigante e elegante. Tiramos o final do dia para contemplá-la ao pôr-do-sol.


domingo, 3 de outubro de 2010

Museu d'Orsay

                Dia de fila para votar no Brasil. Os exilados aqui não votaram, mas enfrentaram uma fila para conhecer o Museu d’Orsay. Todo primeiro domingo do mês, os museus são de graça na França. Saímos de casa logo depois do meio-dia, pegamos o metrô Saint Michel/Notre Dame e fomos caminhando pelas margens do Sena até chegarmos ao Museu, que está instalado no prédio onde antigamente funcionava uma estação ferroviária. Reconhecemos já de longe pelos enormes relógios da fachada.   
               A fila, apesar de grande, andou rápido: ficamos no máximo quinze minutos esperando no sol. Logo na entrada, o aviso: Proibido tirar fotos. Por um lado, eu acho isso ruim, pois você sempre quer registrar o que viu para lembrar mais tarde ou para mostrar para aquele amigo que você não pode colocar na mala; mas, por outro lado, eu acho maravilhoso, pois você olha as obras com muito mais tranquilidade sem aquele bando de gente que se acumula na frente de um quadro famoso somente para fotografá-lo.   
             O teto é altíssimo, e o lugar é espaçoso e cheio de passarelas e escadas que te transportam de um lado para o outro do museu, que é repleto de quadros e esculturas de artistas como Rodin, Cézanne e Monet. Quanto vi os quadros do Van Gogh meus olhos se encheram de lágrimas. O colorido é penetrante. Eu gostaria de escrever melhor para poder exprimir o que senti naquele momento. Lembrei na hora do filme “Sonhos”, em que um rapaz entra nos quadros do Van Gogh. Eu entrei em vários hoje.
             Tudo é divino e maravilhoso lá dentro, e uma cena me chamou muito a atenção: um grupo de crianças ao redor do Urso Branco, do François Pompon, ouvindo as explicações da professora sobre a obra. As crianças não tinham mais de cinco anos e estavam todas, sem exceção, com os olhos no urso e os ouvidos na professora. Aproveitei aquela oportunidade, que não tive quando criança, e fiquei ali, admirando o urso e ouvindo a explicação. Senti na hora uma carência enorme e uma inveja daquelas crianças que falam francês melhor do que eu e que farão muitas visitas dessas ao longo da sua trajetória escolar.
             Devido ao cansaço e ao horário de fechamento do museu, vimos somente uma parte dele; teremos que voltar mais uma vez para ver o restante. No caso do Museu d’Orsay, o restante é Ingres, Degas, Delacroix...



sábado, 2 de outubro de 2010

Nas profundezas de Paris

              Ontem o nosso dia foi de causar inveja a qualquer black metal. Terminou com o filme Histórias Extraordinárias, baseado nos contos do Poe e começou com chuva, neblina, escuridão e muitas caveiras.
              Ainda no Brasil, eu tinha lido algo sobre as Catacombes de Paris e estava ansiosa para conhecer. Até que ontem aproveitamos o dia de chuva para o passeio underground. As Catacombes são antigas pedreiras que foram utilizadas para abrigar os ossos do “Cimetière des Innocents” em 1785 e, mais tarde, de quase todos os cemitérios de Paris. O lugar está aberto desde o século XIX para visitação, e consta que até Napoleão já esteve admirando umas tíbias com o filho.
              Logo na entrada um aviso: não é aconselhável para quem tem problema respiratório ou de coração. Quando eu cheguei no quadragésimo degrau rumo ao centro da terra, eu comecei a entender o aviso, pois uma escada caracol com mais de 80 degraus leva os visitantes para o fundo de Paris, 20 metros abaixo da terra. 
              Quando você para de descer já encontra um túnel gelado, úmido, escuro e silencioso que te leva até o ossário. Parece que eles deixam entrar 200 pessoas por vez, mas o lugar é tão grande que logo você perde o contato com as pessoas que entraram com você. Às vezes eu até olhava assustada pra trás pra ver se o Douglas ainda estava por ali. 
      
             Depois de uma longa caminhada, um aviso na parede para não usar flash na máquina. Naquele ponto é que começa a nossa visita ao milhares de mortos. Crânios e outras partes do esqueleto humano forram quilômetros de túnel. Nada jogado, tudo encaixado cuidadosamente nas paredes formando muitas vezes desenhos e esculturas. O silêncio é mórbido e só é interrompido por um pequeno tremor a cada 5 ou 10 minutos que, creio eu, seja do metrô. Íamos desviando das poças d’água no chão e também das gotas que vinham daquele teto baixo e úmido. Cada gota que eu não conseguia desviar me fazia tremer mais ainda de frio e também de nojo. Suor de caveira pingando na tua cabeça não é uma sensação muito boa.
             Pelo caminho encontrávamos placas de três séculos com frases sobre a morte. Depois de uma hora, encontramos os 83 degraus que nos levaram ao ar livre e, pra nossa surpresa, as gotas continuavam caindo sobre nossas cabeças, só que dessa vez, agradavelmente, eram gotas de chuva.














Pare! É aqui o Império da Morte





Assim, tudo passa sobre a terra
Espírito, beleza, graças, talento
Tal como uma flor efêmera
 Que se entorna ao menor vento