quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Morte na Notre-Dame

            
A primeira vez que entramos na Notre Dame de Paris foi por acaso. Todas as vezes em que passávamos por ela, a fila para conhecê-la por dentro era gigantesca. Mas eis que um dia saímos para visitar o Salon de la Revue, um evento anual que reúne as editoras universitárias francesas, e, na volta, vimos que a fila estava pequena, provavelmente porque ventava muito e o frio tinha assustado os turistas: não havia ali mais do que cinquenta pessoas, por isso resolvemos encarar a mesma espera. Mas os 48 chineses andaram rápido e, em menos de cinco minutos, estávamos dentro da catedral mais famosa do mundo. Quando respirei meu primeiro suspiro, já estava emocionada com tamanha grandiosidade.
Chegamos no meio de uma missa, e os fiéis que assistiam à celebração estavam cercados por umas fitas que impediam a entrada dos turistas na parte central do templo. Começamos a nossa visita pelas bordas da igreja, e como em todas as igrejas da França, encontramos as máquinas que vendem medalhinhas, que apelidei de fliperamas da fé. Um cartaz bem na porta avisava que era proibido tirar fotos durante a celebração, mas isso não assustou os orientais (ou eles não sabem ler em francês), pois nem conseguimos ver direito a igreja de tanto flash, aliás eu não sabia que santo católico era celebridade no oriente.  Contornamos o altar e, quando chegamos à saída do outro lado, vimos que as fitas que protegiam os fiéis tinham sido retiradas. Aproveitamos assim para sentar um pouco e conferir a parte do meio da igreja.
Em menos de quinze minutos a igreja esvaziou e encheu novamente para uma outra missa. Viramos para trás e vimos que a igreja continuava enchendo, quando viramos de volta em direção ao altar uns oito padres e um coral já apareciam à nossa frente. E antes que pudéssemos confessar livremente a nossa fé, o órgão medieval já ressoava os primeiros acordes do rito de entrada. Resolvemos ficar.
Tudo foi mágico até o final do sermão, quando o padre deu um descanso para a Bíblia, resolveu mudar de assunto e ficou uns quinze minutos falando sobre a importância da doação de dinheiro à igreja. Tudo bem que eles precisam manter toda aquela estrutura de alguma forma, pois a prefeitura não disponibiliza recursos financeiros para instituições religiosas, mas como disse o Renato Russo uma vez e apareceu domingo no Fantástico, Jesus não cobra ingresso.
Na saída, numa desigual concorrência aos rogos do padre, uma cigana pedia esmola; uma das poucas que sobraram por aí, pois o Sarkozy andou deportando os ciganos todos de volta pra Romênia. Pobre do corcunda, que agora não tem mais por quem se apaixonar!
Por coincidência, eu estava no primeiro páragrafo deste texto quando o Douglas me chamou pra ver um filme na Maison du Mexique chamado “Antonieta”, dirigido por Carlos Saura, que conta a história de Antonieta Rivas Mercado, da infância mexicana até o suicídio. E onde é que ela foi se suicidar? Na Notre-Dame de Paris! Sentada numa daquelas cadeiras, com um revólver apontado para o próprio peito. Mas confesso que, apesar do sinistro, quero voltar à catedral muitas vezes ainda. Depois de saber desse suicídio eu a verei com outros olhos. Estou ansiosa também pra subir nas suas torres e ver a paisagem, que deve ser linda (pois a igreja fica no meio de uma ilha), além de poder ver as gárgulas de perto. Tenho certeza de que se trata de uma visão única. Aliás, o que diria Victor Hugo se visse a Notre-Dame sem as ciganas e com máquinas de vender santo?

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