sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Greve ou máfia italiana? Parte II

           Que noite mal dormida aquela! Incontáveis pesadelos, e ao final de cada um cada um eu acordava e sentava assustada na cama. Às seis horas eu não aguentei mais aquela noite de cão e pulei da cama. O Douglas dormia tranquilamente, apesar de eu tê-lo ouvido se mexer muito durante a noite. Fui até a janela, afastei um pouco a cortina e fiquei espiando. Dez, quinze minutos e nada. O Douglas acordou, me olhou, limpou os olhos e perguntou: o que tu tá fazendo aí a essa hora? Então eu respondi sem olhar pra ele, pois não podia tirar os olhos da rua: estou conferindo se vai ter ônibus ou não. Nisso, eu vi um ônibus passando; não consegui ver a linha, mas já era um sinal: realmente o hoteleiro nos mentiu, pois ele tinha dito que nenhum transporte público funcionaria.
           Guardamos todas as nossas coisas, tomamos o café e fomos fazer o check-out. Eu já fui preparada pra ser passada pra trás de novo. Certo que ele vai querer cobrar mais do que o combinado na reserva. Ele estava todo atrapalhado, não sabia se já tínhamos pago para a empresa que havia reservado o hotel ou se tínhamos que pagar pra ele. Então eu disse bem séria e dando a entender que tinha toda a situação sob controle: não pagamos ainda; o contrato dizia que tínhamos que acertar direto como o hotel. Ele somou, pensou, olhou várias vezes os papéis e disse o valor. Hã?  Menos do que eu tinha calculado! O senhor somou o frigobar? Opa, esqueci!, disse ele. Muito estranho! O cara que queria tirar um por fora com o transporte, cobrando a menos, agora devia estar querendo se redimir pela mentira. Tudo bem, pagamos a conta e arrivederci Eu só queria cair fora daquele lugar.
            Fomos até a parada e, como eu tinha visto pela janela, não demorou nem dez minutos e lá vinha ele, como todos os dias: o 558. Sentamos e ficamos rindo do cara do hotel. Ele havia tentado nos enganar, mas nós tínhamos sido mais espertos que ele: não caímos na sua cilada. Descemos na Subaugusta e estranhamos o grande aglomerado de gente na parada. Fomos em direção ao metrô. Mais gente por ali, conversando paradas em frente à entrada. Foi difícil conseguirmos chegar perto. Quando conseguimos passar por todas aquelas pessoas, que pareciam não entender nada, a surpresa: Metrô fechado! Não é possível!  Os italianos que estavam ali conversando não sabiam o que estava acontecendo, mas nós sabíamos: GREVE!
            Agora a história mudou. Coitado do cara do hotel! Ele tinha tentado nos avisar e a gente fazendo mal juízo dele... E o cara do bar é que havia mentido pra manter o segredo! Mas e agora? Como vamos até o aeroporto?
            Ficamos ali, em frente à Via Cinecittà, junto com os italianos, esperando um ônibus que fosse até o centro da cidade. Duas horas de espera e nada. A única linha que estava funcionando era a 558, só que ela não ia até a estação Termini; ela faz só os arredores de Roma. Estamos ferrados!
           Bom, agora vamos ter que pôr em prática aquele nosso primeiro plano: carona. Pois os táxis não paravam. Pra não ter que ficar com o polegar pegando frio, a gente cuidava as pessoas que saíam dos estacionamentos. Foram muitas tentativas, e a desculpa era sempre a mesma: Não vou pro centro, vou pro outro lado. O bom é que tínhamos tempo, mas, apesar disso, já havíamos desistido do nosso passeio até a Appia Antica. Já era meio-dia, tínhamos que estar no aeroporto no máximo até as sete horas e não sabíamos ainda como faríamos. Precisávamos chegar até a estação Termini porque, de lá, podíamos pegar, em sentido contrário, o mesmo transfer que tinha nos levado do aeroporto até o centro de Roma. Esse devia estar funcionando, já que não é público.
           Nisso um careca parou o carro; ele estava esperando alguém. Fomos até ele. Oi, precisamos de uma carona até o Termini. Ele fez sinal pra nós que a sua mulher estava chegando e que ela saberia nos informar melhor. Quando ela chegou, ele explicou a situação e ela nos aconselhou: vocês devem pegar a linha A do metrô; ela vai direto até a estação central. Então tivemos que contar para a senhora italiana que não tinha metrô, que estava fechado, greve geral. Ela ficou surpresa. Pensou um pouco e disse: que pena, não podemos ajudar, não vamos em direção ao centro, moramos do outro lado da cidade. Explicamos que tínhamos que ir até o aeroporto, e perguntei se o Termini ficava longe dali, e qual era a direção. Ela apontou para aquela mesma avenida em que estávamos e disse: sigam sempre reto, seis ou sete quilômetros e vocês estarão lá.
            Agradecemos pela informação e começamos a caminhada. Calculamos que em duas horas chegaríamos. Como já era uma hora da tarde, às três horas estaríamos no Termini. Mais uma hora do tranfer, chegaríamos a tempo no aeroporto. Dez minutos de caminhada e minhas costas começaram a doer. Eu fui só com uma mochila, mas ela pesava uns dez quilos. O Douglas então se ofereceu para carregá-la, apesar de já ter a sua que também devia estar pesada. Então, começou a bater um desespero. Eu não estou acreditando nisso!, Vamos perder o dia todo aqui em Roma por causa dessa maldita greve. Nisso alguém bateu no nosso ombro. Era a mulher que tinha nos indicado a quilometragem: Vocês precisam de transfer para o Fiumicino?, Eu descobri um lugar onde tem transfer pra lá; fica no caminho pra nossa casa; venham conosco.
            Santa italiana! Ela veio atrás de nós pra nos ajudar. Nunca mais penso mal dos italianos. Entramos no carro e nos sentamos junto com a filha do casal. Perguntei pra onde estavam nos levando. Ela disse que o nome do lugar era Ostia e que de lá saíam vários transfer para o aeroporto. Papo vai, papo vem, e eles resolveram nos levar até o aeroporto. Eu hesitei, afinal eles já estavam fazendo demais pela gente. Não tem problema, disse ela, vamos desviar somente uns sete quilômetros do nosso caminho. Além do mais, o transporte é capaz de cobrar muito caro de vocês.
            Finalmente chegamos ao Aeroporto Leonardo da Vinci, vulgo Fiumicino, cinco horas antes de sair o voo. Quis retribuir a gentileza e já fui puxando a carteira. A italiana não aceitou. Pelo menos pela gasolina... Imagina!, disse ela. Foi um prazer conhecê-los. 
            Descemos do carro dizendo grazie sem parar. A novela tinha terminado. Os italianos são barulhentos, extravagantes, mas bonzinhos; o único que mentiu foi pra proteger o movimento operário. Aproveitamos o chá de aeroporto para sonharmos acordados, dessa vez um sonho maravilhoso com o nosso novo destino: Veneza.

3 comentários:

  1. aahahahahah Muito bom.

    No fim deu certo. O legal foi que eles não queriam levar vocês, pois iam para o sentido inverso, mas depois devem ter pensado "ah, já que estão conosco, vamos levar eles" ehehehe

    O carinha do hotel devia ter se explicado melhor.

    Abraços

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  2. genteeeee!!!que aventura, ahahahahmuito bom. Eu estou tentando imaginar a cara de vocês dentro do carro conversando. Aguardo os próximos capítulos. bjs

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  3. Oi Renata. Saudades de vocês.

    Muito boa esta história. Gostei da forma que contaste.

    bjão.

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