terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Greve ou máfia italiana?

           Nos últimos três dias em que ficamos em Roma, caminhamos muito pela cidade, ficamos umas seis horas no Vaticano e seus museus, fomos aos Musei Capitolini e ao Parco della Musica. Deixamos o último dia para ir à Appia Antica, pois o nosso voo para Veneza só sairia às oito horas da noite. Mas chegando ao hotel recebemos uma notícia que mudaria todos os nossos planos.
            Perguntamos ao recepcionista, aquele mesmo que tinha nos dito que na Itália não tem assaltos, se ele sabia de algum trem que fosse direto ao aeroporto. Amanhã?, disse ele. Sim, amanhã; precisamos saber qual é a linha que devemos pegar até o Fiumicino. Foi aí que veio a bomba: Não, amanhã não tem transporte em Roma. Tudo parado! Greve geral! Como? Não é possível, temos que pegar o avião. Ele, bem calmo só balançou a cabeça negativamente e disse: difícil saírem daqui amanhã. Com muita sorte, vocês conseguem um táxi, mas preparem o bolso. O senhor está brincando com a gente? Ele levantou a mão direita e, com um sorrisinho malicioso, parecendo adorar nos ver sofrer: juro que é verdade! E ainda emendou: me pediram para participar da greve, mas eu não aceitei. Então, baixou a cabeça, voltou a trabalhar e nos deixou ali plantados sem saber o que fazer.
           Fomos para o quarto pensar. E agora? Como vamos fazer pra ir desse fim de mundo até o centro de Roma? A pé é muito longe. E táxi vai custar uns 200 euros. Além do mais, com greve, vai ser difícil conseguir algum. Não queríamos acreditar na notícia que tinha desabado sobre nós um dia antes da viagem pra Veneza. Ficamos quebrando a cabeça, matutando como faríamos pra ir até o centro. Só tem uma solução, eu disse: carona. A gente vai pra beira do asfalto com uma placa escrita aeroporto. Alguém vai ter que parar. Então o Douglas disse: Não pode ser verdade, não vi em lugar algum a notícia da greve. Nisso eu lembrei de ter lido um anúncio na cartilha do hotel. Fui olhar e... Lá estava, com fonte 30: “Temos transfer para o aeroporto, combine preços com a recepção”. Então é isso, não tem greve coisa nenhuma; o cara do hotel está nos passando a perna. Ele quer que a gente peça pra ele nos levar até o aeroporto e vai cobrar o que quiser!
            Pra descargo de consciência, ligamos a televisão esperando alguma notícia, pois na França, quando tem greve, eles avisam nos jornais e publicam até os horários dos poucos ônibus que irão circular. Sentamos em frente à TV: meia hora de desastres pelo mundo e nada de notícia sobre a greve. Não pode ser; uma greve secreta não existe! Pois é, então a imprensa não sabia da greve e os brasileiros aqui sabiam? Muito estranho.
Depois de sofrer durante mais de uma hora, tivemos a ideia de ir até o bar em frente ao hotel na tentativa de pescar alguma informação. Entramos na bodega: dois desdentados jogando fliperama e nós. Pra não dar bandeira, pedimos uma cerveja e começamos a ler o jornal que estava em cima da mesa. Nada sobre a greve. O hoteleiro estava mentindo. Chamamos o garçom pra acertar a conta, e foi aí que perguntamos: O senhor sabe se amanhã terá ônibus normal? O senhor está sabendo de alguma greve?
O dono do bar ficou verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão e, olhando pro luminoso do nosso hotel,  perguntou desconfiado: Quem falou isso pra vocês? Vocês estão no hotel da frente? Eu, já pressentindo as segundas intenções da pergunta, respondi: Não. Hotel? Qual hotel? Ele respirou fundo, secou as mãos no avental, depois apertou uma contra a outra, fez uma cara de desaprovação e, já roxo, começou a nos dar as coordenadas: Peguem o 558 até a estação Subaugusta e depois o metrô até a estação Termini. E logo, antes que eu perguntasse mais alguma coisa, ele voltou para trás do balcão. Enquanto o Douglas guardava o dinheiro, eu espreitava os movimentos do sujeito: ele continuava nervoso, cochichava com o companheiro de bar e nos olhava com o canto do olho.
           Saímos. E agora? Não podemos atravessar a rua para entrar no hotel, senão ele vai saber que mentimos. Andamos uns 100 metros, paramos na calçada e discutimos a veracidade da nova informação. No início estava claro pra nós: o dono do bar era cúmplice na armação do hoteleiro e só nos falou do ônibus porque acreditou que não éramos hóspedes. Mas depois levantamos outra hipótese: É claro que ele não acreditou que não éramos do hotel! O que dois estrangeiros estariam fazendo nesse lugar deserto? O cara do bar nos enganou; ele sabe da greve, mas mentiu pra tentar proteger a honra do movimento. Se o bodegueiro olhou pela janela com cara feia foi porque ficou nervoso pelo fato de o hoteleiro ter nos contado sobre a paralisação.
           Depois de vinte minutos gelando na calçada, atravessamos a rua longe das vistas do nosso informante e, passando em frente ao circo, seguimos em direção ao hotel. Eu ergui o colarinho do casaco tentando me disfarçar e entrei primeiro; o Douglas veio logo atrás. Chegamos ao portão com o coração saindo pela boca e ainda esperamos uns minutos antes de entrar pro cara do hotel não perceber o nosso nervosismo.
          Pedimos a chave do quarto enquanto eu olhava fixo pra cara do hoteleiro pra ver a reação dele. Com certeza ele sabia que tínhamos ido nos informar sobre a greve. Seria capaz de pedir explicações? Nos ameaçaria com uma faca escondida embaixo do balcão? Enfiaria a chave do quarto no meu olho? Arrastaria nossos corpos para uma câmara de tortura subterrânea? Não. Ele foi mais maquiavélico do que isso: nos deu a chave e, junto com ela, um sorriso amarelo.
          O negócio é que estávamos na estaca zero de novo. Tem ou não tem greve? As informações eram contraditórias e o nosso problema continuava. Pensamos, então, numa terceira hipótese: o dono do bar fez cara feia quando olhou pro hotel porque sabe que o hoteleiro é falcatrua e vive enganando os turistas, e ficou nervoso por ter que desmentir o vizinho. Ou seja, não vai ter greve. O hoteleiro é um mentiroso.
          Sentamos na cama e ficamos umas duas horas tentando achar uma explicação para aquilo. Eu estava com medo de que o dono do bar invadisse o hotel com todo o movimento operário italiano e que fôssemos vítimas de uma queima de arquivo internacional para manter o segredo da greve. De qualquer modo, estávamos em maus lençóis: se o hoteleiro falou a verdade, estamos sem transporte para o aeroporto e acabamos de entregá-lo como fura-greve pro dono do bar; se ele está mentindo pra tirar uma graninha por fora com o seu transporte, bem pode ser capaz de coisas piores, como superfaturar a nossa estada ou cobrar o uso do chuveiro por minuto.
          Independente disso, tínhamos que dormir. A única solução será esperar o dia seguinte para descobrir a verdade: se o 558 passar, o hoteleiro é mentiroso, mas temos transporte pro aeroporto; por outro lado, se ele não passar, o dono do bar é que nos mentiu, o hoteleiro é fura-greve, e dependeremos de uma carona pra não ficarmos presos em Roma, sem hotel para a próxima noite, abandonados à lona do circo italiano. Arrisquem seus palpites e aguardem o próximo capítulo para descobrirem como noi siamo partiti.
















5 comentários:

  1. Com certeza é a máfia italiana!!!!! Aposto que são descendentes de Don Corleone!!!! hahahaha

    Boa sorte!!

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  2. Que falcatrua em Rê !? Eu acho que na verdade esse cara é Brasileiro .

    Abraços

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  3. Certo que neste momento eles já devem estar planejando o que farão com vocês e com o delator.

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  4. Eles devem trabalhar para o Berlusconi, será que ele não gostou de ti Rê????

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  5. Oi, cadê a segunda parte? Fiquei curiosa!!!

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