... eles estavam na nossa frente, parados na Ponte dell'Accademia. Ele usava botas e um sobretudo preto da cor dos seus olhos e de seus cabelos longos; ela estava de moletom, calça jeans rasgada, tinha os cabelos castanho-claros enrolados até o ombro e os olhos tristes e verdes. Enquanto o Douglas me erguia do chão, me balançava e ameaçava carinhosamente me jogar da ponte, eram eles que tiravam a minha atenção. Conversavam sem se olhar, como apaixonados sem esperança. De repente ela saiu e ele foi atrás. Ao mesmo tempo, nós resolvemos ir pro hotel e tomar um banho para, à noite, caminharmos por Veneza, pois quando a cidade dormisse, quando tudo estivesse fechado, ela seria só nossa.
Chegando ao último degrau da ponte, eles pararam. Eu via de longe, pois caminhávamos muito devagar. Sem se despedir e com lágrimas nos olhos ela o afastou com as mãos, deu as costas e seguiu sozinha. Ele ficou parado e falou alguma coisa que eu não entendi. Ela olhou pra trás, engoliu o choro, baixou a cabeça. Algo no seu rosto dizia que ela não poderia ficar: continuou andando. Passamos por ele. Eu olhei nos seus olhos e vi que, como o resto do corpo, eles estavam imóveis. Pedi pro Douglas para pararmos um pouco. Fingi que olhava uma vitrine de máscaras e esperei pra ver como acabaria aquela história. Ela indo embora, com as mãos nos bolsos; ele, estático, com os olhos fixos nela, tentava evitar que o rosto expressasse o que sentia. Eu queria cutucá-la, sacudi-la, gritar no seu ouvido pra que voltasse lá e desse um abraço nele. Ao mesmo tempo, torcia para que o cara mumificado aos pés da ponte se mexesse, corresse atrás dela e lhe desse um beijo cinematográfico. Mas nada. Ela sumiu das nossas vistas e ele continuou lá, como Veneza: parado no tempo. Apertamos as mãos e seguimos para o hotel.
No dia seguinte, casualmente passamos pela mesma ponte, e meus olhos procuraram o rapaz, com a estranha impressão de que ele ainda estaria lá, esperando. Ou mesmo, quem sabe, a moça tivesse voltado, e estariam os dois novamente juntos, dando um final feliz para a história triste do dia anterior... Mas, para minha surpresa, naquele mesmo lugar, vi, não mais o mesmo, porém um outro casal, feliz, se abraçando e sussurrando ternamente no ouvido um do outro.
Assim é Veneza: o palco perfeito para os desencontros, mas também para os que se encontram. A Sereníssima vai ter sempre um lugar especial na minha memória romântica. E sei que, se um dia eu voltar lá, passarei pela mesma ponte e lembrarei dos casais, e contemplarei os rios, que como os amantes, mudam a cada segundo. A cidade, que por seus prédios seculares e suas ruelas antigas parece ser sempre a mesma, sutilmente se transforma com os seus amores que vêm e vão.
Ah, que bonito. Fotografias da alma do tempo.
ResponderExcluirVeneza não é uma viagem no espaço, é uma viagem no tempo.
O relato dos casais que se encontram e se desencontram me lembrou das Noites Brancas do Dostoiévski. Numa ponte em São petersburgo uma moça solitária espero um amor do passado. Um passante, também ele só neste mundo, a encontra.
Vem cá: vocês foram até a praia do Lido? Viram o hotel em que Visconti filmou o Morte em Veneza?
Dirk Bogard morrendo sob o sol contemplando o jovem Tadzio...
Oi, Juliano!
ResponderExcluirSim, fomos até Lido. O Grand Hotel des Bains estava lacrado com uma cerca alta. Rodeamos ele na esperança de acharmos alguma entrada. Ele está em reformas, não conseguimos entrar nem no pátio. Até as casinhas na beira da praia estavam fechadas com cerca. Mesmo assim valeu a pena ir até lá, a praia estava deserta e linda.
Abraços,
RÊeeeeeeeeeeeeeeeeeee... eu tb queria o fim dessa história perfeita, nesse lugar perfeito!!! Mas nada é perfeito né! OU td é perfeito, de um jeito que não é o nosso!!!
ResponderExcluirEstou esperando pra tua volta... tu vais me dar aula de francês????
Algumas histórias não têm fim, embora às vezes gostaríamos que tivessem, ficam sempre aquelas reticências. História boa de assistir mesmo é a de vocês dois, assim felizes e cheios de talento, e nesse cenário!!
ResponderExcluirBelíssimas fotos!!
Beijos!
Oi Rê, teus textos me deixam cada vez mais feliz, é só você encaminhar atualização que eu paro tudo pra ler, não preciso de fotos, só os fatos me bastam, você consegue me carregar pra Veneza ou pra Paris da forma mais fantástica que existe, minha imaginação, nela eu vejo e sinto tudo o que você escreve, por favor não apre de escrever, nunca, nunca.
ResponderExcluirAdoro vocês, com saudades.
Io
Nossa, é tão inspiradora/romântica/tocante assim a cidade de Veneza? Tenho que visitar algum dia então :)
ResponderExcluirAbraços
Ah! que maravilha: fotografia com poesia.
ResponderExcluirRê, que texto lindo, tão envolvente quanto esta linda cidade.Veneza é apaixonante e inesquecível e tu conseguistes retratar e descreve-la com muito amor e ternura.o QUE FAZ ESTAR APAIXONADO E NO LUGAR CERTO!!!!Je vous embrasse fort.