Aproveitamos que a nossa hospedagem em São Paulo custou somente uma perna de salame, uma forma de queijo e um pouco de vinagre, para ficar quatro dias por lá. No sábado, visitamos o Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, que fica em frente à Praça da Independência. Do outro lado da praça, encontramos o Monumento ao Grito do Ipiranga. O lugar é enorme. O jardim do museu, com seus chafarizes belíssimos, é palco para banho de passarinhos e para os monumentos, que parecem estar agradecendo aos céus por estarem ali. Tudo isso com o fundo musical da gaita de fole de um simpático musicista. O interior do museu é algo indescritível. A coleção de móveis, acessórios e documentos antigos é impressionante. Fora as gigantescas pinturas a óleo, os carros de dedetização do século XVIII, as estátuas majestosas. Passamos um dia inteiro no museu e aproveitamos o ingresso para conhecer também o Museu de Zoologia da USP. Mas o passeio mais emocionante foi o do dia anterior. Sexta-feira, depois dos momentos de expectativa no consulado, voltamos para casa para colocar um tênis e resolvemos sair a pé. Tínhamos tomado um café às 8 da manhã e já era uma hora da tarde, mas resolvemos não perder tempo e deixar para almoçar quando chegássemos ao centro. Tranquilo! Olhei o mapa na net: Aclimação – Liberdade – Praça da Sé – Praça da República. Eu tinha certeza de que conseguiria chegar até o nosso destino planejado, a Galeria do Rock, em uma hora. Distraí-me um pouco e, na terceira rua, já estávamos perdidos. Continuei andando como se estivesse tudo sob controle e, para minha sorte, Olha lá a Catedral da Sé, eu disse animada, como se tivesse morado em São Paulo a vida toda. Isso é um bom sinal?, o Doug me pergunta. Sim, é atravessar a praça da igreja, achar a Rua Direita e pegar à esquerda e estaremos próximos à galeria, eu respondi confiante. Depois de andar muito e de nos perdermos mais umas três ou quatro vezes, chegamos à galeria, que já não é só de rock, mas de hip hop, reggae e outros estilos mais recentes que não fiz esforço para identificar.
Três horas da tarde foi o horário em que entramos na galeria. O que tem de bom lá? Lojas de vinis e CDs; de tudo o que você imaginar. O resto das lojas é de roupas, acessórios e um monte de badulaques de todo tipo: brincos, piercings, anéis, correntes... Ah, e umas 45 lojas de All Star. São seis andares de galeria, e às 5 da tarde chegamos ao quarto andar. Lembrando: estávamos só com o café da manhã como combustível.
Comecei a sentir uma sensação estranha, uma inquietação. Mas não queríamos parar o passeio. Continuamos olhando tudo que nos chamava à atenção e percebi que o Doug também não estava em seu estado normal: ele começou a ficar nervoso e também reclamar de fome. Às 6 da tarde estávamos alucinados. Botei a mão na cabeça e senti falta dos meus óculos de sol. Procurei na bolsa, nas sacolas e nada. Perdi meus óculos, eu falei quase caindo de cansada. Não tinha outra: voltamos e entramos nas últimas 10 lojas que tínhamos visitado. Achamos os óculos no provador de uma das lojas.
Percebemos que a fome estava nos deixando desnorteados e resolvemos sair para comer. Nisso, olho para a mão do Douglas e não vejo uma das sacolas com CDs e camisetas que tínhamos comprado. Cadê a sacola verde?, eu falei quase gritando. Eu dei pra ti, ele gritou de volta. Oh céus! 6:30 e, borgeanamente, pelo labirinto de tênis e caveiras, tivemos que procurar o item perdido. Imaginem a cara de gozação que a atendente da loja em que eu tinha perdido os óculos fez quando eu voltei para pedir se não tinha esquecido uma sacola verde também! Não estava lá. Virei minha fúria novamente para o distraído: Eu tenho certeza que te entreguei! Ele tinha certeza de que tinha deixado comigo. Não adiantava discutir, tínhamos que agir rápido. Descemos mais um andar e fomos entrando nas lojas, mas, àquela altura, todas pareciam iguais. Já com a barriga nas costas, entramos numa loja em que o Douglas tinha provado uma camiseta dos Mutantes e lá estava ela, nossa sacola verde, em cima de um banco, com um monte de gente ao redor escolhendo roupas. Essa foi por pouco. Aproveitei a mancada dele para dar uma resmungada: Quem costuma fazer essas coisas sou eu! Não podia perder a oportunidade de dar a minha lição de moral.
Quase 7 horas da noite. Não sabíamos mais nem pra que lado ir. Lembrei que a Aline tinha nos indicado uma pizzaria em frente à galeria. Só que a galeria tinha duas frentes, exatamente iguais. Depois de mais umas quantas voltas, achamos a pizzaria. Que pizza! A melhor que comi até hoje, e com as mãos.
Depois de devorarmos a pizza inteira, a paz voltou a reinar e pudemos rir do que tinha acontecido.
No passeio do dia seguinte, que foi o do Museu do Ipiranga, fomos de ônibus, porque a pé seria o nosso fim, e quando eu reclamei a primeira vez que estava cansada e com fome, o Doug me olhou rindo e disse: Vamos achar um restaurante, urgente!