quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A dança das cadeiras

              Hoje o dia foi o oposto de ontem. Repito o que já disse em outro post: a vida aqui em Paris é muito intensa. Ontem fomos até a Sorbonne para tentar fazer a minha inscrição num curso de francês. Pegamos uma ficha de número 40 na entrada e sentamos. As moças que estavam atendendo estavam chamando o número 20, ou seja, tínhamos muito tempo de espera pela frente. Quando chegaram ao número 30, elas começaram a pedir se tinha alunos antigos da escola, e aí começou a confusão. Desceu uma dezena deles e passaram todos na nossa frente, fora as pessoas que chegavam lá pra pedir informação sem ter pego a ficha com o número e mesmo assim eram atendidas. Comecei a ficar com um ódio tremendo daquilo. O Douglas tentava me acalmar, mas chegou uma hora que eu comecei a deixá-lo nervoso também. Enfim, depois de duas horas, fomos atendidos.
 Não consegui disfarçar: sentei em frente à mulher e larguei um suspiro de alívio. Ela riu e disse que tinha bastante gente mesmo. Acho que ela não entendeu a minha interjeição, mas tudo bem. Eu simplesmente sorri de volta e comecei a falar. Eu já tinha pesquisado na internet e sabia exatamente qual o curso que eu queria fazer; mas descobri naquele momento que aquela fila toda era pra explicar o que eu já sabia e pra pegar uma convocação para, no dia seguinte (hoje), fazer a inscrição do curso.  Eu só precisaria do passaporte, diploma de ensino superior traduzido (graças a Deus eu fiz ainda no Brasil) e pagar. Só tinha um detalhe: a única forma de pagamento que eles não aceitavam era em dinheiro. Como assim? – Não aceitamos dinheiro, disse a moça, você terá que pagar com cartão ou fazer um depósito para a Fondation Sorbon, e me deu os endereços de onde eu poderia fazer o depósito. Pra mim o cartão estava fora de cogitação, pois as taxas de cartão de crédito internacional são absurdas e proporcionais ao valor utilizado, que nesse caso era bem alto. Corremos dali em direção à agência que ela indicou, pois já eram quatro horas da tarde, e a inscrição pra hoje estava marcada para as 10:30; não daria tempo de depositar.
              A moça do banco nos deu um envelope de plástico e explicou o que eu teria que preencher. Eu peguei o envelope e fiquei olhando pra ela. Queria perguntar se podia escrever ali mesmo e se ela me emprestaria uma caneta, mas as palavras em francês demoraram pra passar do cérebro para a boca, então ela começou a me explicar tudo de novo, só que dessa vez em inglês. Naquele momento eu tive vontade de pegar a mulher pelo pescoço e começar a gritar: EU JÁ ENTENDI ISSO, QUERO SABER SE TU ME EMPRESTA UMA CANETA!!!!!!!!!! Nisso o Douglas viu uma mesinha mais adiante com uma caneta em cima e me puxou. Preenchemos o tal papel, colocamos a grana dentro e fomos embora. Chegando em casa eu vi que tinha depositado 50 euros a menos do que o valor do curso. Que dia de cão! Dormi muito mal durante a noite pensando em como eu iria explicar em francês que tinha esquecido de depositar parte do dinheiro.
 Acordei cedo hoje de manhã, tomei um café reforçado, pois não sabia que horas iria me liberar, e fomos até a Sorbonne. Pra minha sorte, o Douglas ainda não começou as atividades dele e pôde me acompanhar. Chegando lá, o recepcionista pegou a minha convocação, me deu uma ficha para preencher e pediu para sentar naquela cadeira (tinha uma cadeira específica para eu sentar), com umas 20 pessoas na minha frente. Não entendi muito bem por que tinha que ser exatamente aquela cadeira, mas ele fez questão de me acompanhar até lá e disse: essa aqui! Ao correr da carruagem eu entendi: conforme as pessoas eram chamadas, o próximo pulava uma cadeira e o restante da fila também. O primeiro da fila era chamado e o os próximos... voilà!, pulavam uma cadeira. Na verdade, era uma fila normal, só que em vez de dar dois passinhos, você dava um pulinho pra outra cadeira. Nunca vi isso em toda minha vida!
 Depois de experimentar as 20 cadeiras do lugar, fomos chamados para a outra sala, que para mim seria a sala da inscrição. Mas não; eram mais umas 10 cadeiras. Inacreditável!. Quando vi a cena tive que rir, e os companheiros de espera estavam no mesmo clima: pulavam uma cadeira e davam risada ou faziam uma piada da situação. 30 cadeiras e, finalmente, fui chamada para fazer a inscrição.
 Depois da descontração dos saltinhos, eu já estava muito tranquila. Fiz a inscrição sem problema algum, consegui explicar a questão do depósito a menor, paguei os 50 euros e já recebi a minha carteirinha de estudante. Sou a mais nova aluna da Sorbonne e vou começar as minhas atividades antes mesmo que o Douglas. Amanhã cedo já vou fazer a prova de nível e, dia 6 de outubro, começo o meu curso.
 Saí da Sorbonne feliz da vida. Ainda fomos dar um passeio pelo Arco do Triunfo, pela Champs Élysées e pela Praça da Concórdia. Pegamos três metrôs para casa e, na estação de Montparnasse, que é uma das maiores por aqui, têm uma esteira rolante para as pessoas não terem que caminhar, mas na qual todos caminham. Eu estava tão contente e sem pressa que, pela primeira vez, fiquei parada na esteira e aproveitei para contar em voz alta e em bom português as pessoas que passavam apressadas por nós: um panaca, dois panacas, três panacas... 64 panacas!
 Nada como um dia após o outro. Aqui na França, estou tendo todas as oportunidades de controlar o meu temperamento. Amigos e amigas, se as coisas continuarem assim, vou voltar para o Brasil falando francês, com certificado da Universidade de Paris e totalmente zen!

domingo, 26 de setembro de 2010

Musée de la Vie Romantique

                O Musée de la Vie Romantique funciona desde 1983 e guarda pinturas e relíquias da época do Romantismo. A casa de 1830 que hoje é o museu pertenceu à família Scheffer-Renan; e fica escondida na rua Chaptal, é preciso passar por uma entrada estreita e forrada de cerca-viva para chegar até ela.
                Ao lado da casa tem um jardim com bancos e mesas para tomar o chá da tarde, vendido ali mesmo. A entrada é grátis, eles só cobram quando tem exposições temporárias, aliás dia 28 vai começar uma sobre o Romantismo russo.  
               No térreo do museu tem um quarto totalmente dedicado a George Sand, com retratos, móveis e joias dos séculos XVIII e XIX que pertenceram à escritora.
              Cada cômodo é uma surpresa. Uma das salas com móveis típicos do século XIX tocava Chopin num pequeno rádio. Mas a parte de cima é a que comporta o maior número de salas e de obras de vários autores, principalmente as do pintor Ary Scheffer. Descobrimos que no século XIX, toda sexta-feira, Scheffer recebia na casa a elite artística e literária: George Sand, Chopin, Delacroix, Rossini, Liszt, Dickens... Ainda na parte de cima tem um atelier de pintura que pertenceu ao irmão de Ary, Henry Scheffer, e a obra que mais me fascinou: a mão esquerda de Chopin em gesso feita por Auguste Clésinger.
             Quando a Deise vier nos visitar, já sei qual será o primeiro lugar que vou levá-la.





sábado, 25 de setembro de 2010

Tomaram a Bastilha

               Estamos em Paris há 23 dias. É quase uma reclusão espiritual, pois estamos sem TV e sem celular. E o melhor de tudo: eles não nos fazem falta, a não ser pela falta de informação.  Hoje aproveitamos o primeiro sábado de outono para passear pela cidade. A ideia era conhecer a casa de Victor Hugo que fica na Place des Vosges. Pegamos o metrô e depois de duas conexões chegamos ao ponto mais próximo, a Praça da Bastilha. Ela estava tomada de gente, a maioria de adolescentes, uma multidão com os estilos mais exóticos que já vi até hoje.  A mais bizarra era uma adolescente com a cara pintada, coturnos, capote e chapéu preto: somente isso, o resto das peças de roupa ela não tinha.
             Seria aquilo alguma festa? Um protesto? Outra greve? Parada gay? Não sabíamos e, para chegar ao nosso destino, teríamos que passar por aquele mar de gente. Resolvemos tentar, mas nada feito; chegamos numa avenida que estava sendo fechada por policiais. Nessa rua estava acontecendo um desfile de caminhões tocando música muito alta e com gente cantando e dançando em cima das caçambas. E nós, ali no meio daquilo tudo, inocentes e alheios ao que estava acontecendo.  Peguei o mapa e decidimos chegar à Place des Vosges por outro trajeto, contrário à movimentação. Pelo caminho também encontramos muita gente de cabelo colorido, gente sendo socorrida da bebedeira pelos policias, galera dançando em cima dos banheiros públicos e muita latinha de cerveja pelo chão. Cadê os franceses politicamente corretos, sérios e engomadinhos?
                  Depois de mais de uma hora, finalmente encontramos a praça, que é rodeada por prédios de tijolos vermelhos. Um desses prédios é a antiga casa do Victor Hugo, que hoje abriga um museu; mas, pra nosso azar, estava fechado.  Aproveitamos a viagem para passear pela praça e também para apreciar a arquitetura belíssima do lugar.  Quando o vento começou a incomodar, voltamos para casa. O Douglas correu para a internet pra ver se descobria que algazarra era aquela que estava acontecendo, e... Techno Parade 2010!  Agora antes de sair de casa, a gente pelo menos vai ler o Le Monde.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Shakespeare And Co.


Hoje tiramos a tarde para passear no Quartier Latin, uma região que fica às margens do Sena e é repleta de bares, restaurantes, teatros e livrarias. O Quartier Latin é a região em que fica a  Universidade de Paris (Sorbonne), e tem esse nome porque, da Idade Média até o século XVIII,  o latim foi a língua oficial na localidade. Nosso passeio foi pouco turístico, cada vez mais deixamos de lado os monumentos e vivemos como moradores parisienses: uma refeição regada a cerveja num dos bares do Quartier e uma maratona despretensiosa por sebos e livrarias. Achamos a gigante Gilbert Jeune com suas várias lojas separadas por estilo. Nessa nem entramos, pois não sairíamos antes de meia-noite sem ver tudo.   
Caminhamos mais um pouco e, bem ao lado da Notre Dame, encontramos a Shakespeare and Company, livraria aberta em 1951 por George Whitman e que é uma imitação da outra Shakespeare and Company  que  Sylvia Beach criou em 1919 e que foi a que publicou o Ulisses do Joyce. Ela foi fechada em 1941 durante o nazismo e a proprietária cedeu o nome a Whitman dez anos depois.
Antes de entrar na livraria, o cenário já é deslumbrante: muitas pessoas sentadas lendo e dois rapazes interpretando apaixonadamente uma peça em língua inglesa que minha limitação literária me impediu de identificar.
Logo na entrada, ainda na vitrine, vi o corvo do Poe, não o livro, o corvo mesmo, empalhado. Entramos de mansinho, olhando tudo. Nada de paredes brancas, nada novo; é uma casa muito antiga, como a maioria em Paris, com as vigas de madeira à mostra no teto. Em cada canto da livraria tem uma poltrona estofada ou cadeiras para os leitores ficarem à vontade em meio aos livros. O Douglas ficou fascinado; com certeza ele estava adorando aquilo ainda mais do que eu. Ficamos embasbacados com a beleza rústica daquele lugar e às vezes um chamava o outro pra mostrar uma das raridades que tinha encontrado.
No final do primeiro andar, vimos uma escada estreita que não sabíamos ao certo se podíamos subir. Tinha só uma plaquinha escrita a mão e, até onde entendi, dizia: piano, dormitórios, máquina de escrever...
A curiosidade nos deu coragem para encarar a subida. Valeu a pena; lá encontramos uma sala com livros não comercializáveis. Eles podem ser lidos somente naquele lugar. Raridades de colecionador. A parte de cima se parece mais ainda com uma casa; a diferença é que as paredes são forradas de estantes com livros. Numa das salas encontramos uma mesa em destaque, provavelmente usada por algum escritor famoso, (não sei, essa parte da história eu não li). Em outro cômodo mais adiante encontramos o tal piano citado na plaquinha. Ele está no meio de duas camas muito pequenas, então lembrei que o Juliano falou de uma livraria que abrigava escritores; não sei se é a mesma, mas já fiquei imaginando quem poderia ter passado por aquelas camas.  
O lugar é tão aconchegante que não parece um comércio, até porque não tem atendentes pentelhos atrás de você o tempo todo. Os únicos funcionários ficam em dois bureaus na entrada da livraria, o que faz com que você se sinta totalmente à vontade. Ficamos horas lá dentro, lendo coisas, descobrindo lugares e respirando aquele cheiro de livro velho que é tão bom quanto cheiro de café.
A decisão de ir embora foi difícil. Ainda bem que teremos mais nove meses para voltar a esse lugar. 











 



 







segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Cité Internationale Universitaire de Paris


A Cité Universitaire tem uma estrutura gigante que comporta 40 casas e fundações de várias nacionalidades, dentre elas a do Brasil, que é a que estamos morando.  Cada casa deve ter, além dos residentes do seu país, uma cota de 30% de estudantes de outros países, fomentando assim as relações entre os moradores de diferentes nacionalidades.
Tivemos uma reunião com a diretora da Maison du Brésil na semana em que chegamos, e ela contou um pouco sobre a história do lugar. É fascinante; a primeira casa foi construída em 1925, logo após a Primeira Guerra Mundial. O intuito de construir uma cidade universitária com casas de diferentes nacionalidades era promover a harmonia entre os países. Pensou-se que, juntando a futura elite do mundo numa mesma cidade, a amizade entre os membros e o conhecimento de diferentes culturas fariam com que jamais houvesse guerras. Entretanto, logo depois da construção da primeira casa, explodiu a Segunda Guerra Mundial. As casas continuaram sendo construídas e hoje abrigam estudantes de mais de 140 nacionalidades.  As casas são sustentadas com o dinheiro que os estudantes pagam dos aluguéis. A Maison du Brésil é uma das mais bem conservadas da Cité. Demorou três anos para ser construída com recursos do ministério da Educação via CAPES. Ela foi arquitetada em 1959 por Lucio Costa e Le Corbusier e totalmente reformada, também com a ajuda financeira da CAPES, em 2000.
Durante a ditadura militar, a residência abrigou alguns políticos exilados e, em 1968, a Maison du Brésil foi usada para as reuniões que precedram as manifestações no Quartier Latin. Em 1970 a casa foi mencionada como um espaço de resistência. (Para quem quiser saber mais sobre isto, leia o trabalho da Doutora Ceres Karam Brum: http://www.vibrant.org.br/downloads/v6n1_brum.pdf)
A Maison du Brésil tem uma estrutura espaçosa e aconchegante. São 22 apartamentos de casal e 78 quartos de solteiro, todos mobiliados e equipados. Os quartos de casal têm banheiro e cozinha, os de solteiro não, mas cada andar tem uma cozinha coletiva e banheiros. Além dessa estrutura, nossa casa tem uma cinemateca, uma biblioteca, uma sala de TV, uma cafeteria (onde os residentes fazem jantas e festas), um auditório, uma sala de informática, uma lavanderia e um saguão lindíssimo e silencioso com sofás relaxantes onde seguidamente se fazem exposições de arte e sobre a história da Cité e da casa. Enfim, estamos muito bem instalados. Os primeiros dias de adaptação foram difíceis, mas agora já me sinto em casa.
O final da tarde é o melhor momento para pegar cenas de estudantes caminhando, correndo, lendo debaixo de árvores ou então conversando num gramado enorme que fica aos fundos do prédio central. Temos também um restaurante universitário e um bar dentro da Cité Internationale. A vida aqui é muito tranquila. Estou morando num paraíso intelectual e multicultural. Vai ser difícil o dia em que eu tiver que ir embora.    
Cité Universitaire


Fundos da Cité


Maison du Brésil


              Algumas outras casas da Cité:


Argentina


Canadá


Itália




Japão


Suécia


Camboja

Nosso quarto:



Vista do quarto

O próprio


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Moulin Rouge

                O Douglas bem feliz em frente ao cabaré. Ainda me pede pra tirar uma foto. Mulher assim ele nunca mais vai achar.


quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O resgate do chocolate

 Hoje à tarde eu deixei o Douglas em casa traduzindo o seu projeto de tese e fui até a biblioteca da Cité estudar francês. Fiquei umas duas horas lá, depois saí e passei no supermercado. Eu estava sem pressa alguma, então fiquei olhando todas as prateleiras, estudando os produtos e pesquisando os preços. De repente,  me bateu uma felicidade, não me contive e comecei a rir sozinha. Quando eu iria imaginar que, numa quarta-feira, às quatro horas da tarde, eu estaria passeando num supermercado de Paris, sem outros compromissos para o dia, sem pressa de chegar a lugar algum, sem ninguém pra me cobrar coisa alguma. Fiquei curtindo a minha felicidade enquanto pacientemente tentava encontrar o creme de leite.  
 Comprei várias coisas para o jantar e também um chocolate para adoçar mais ainda o dia.  Depois de mais de meia hora, me dirigi ao caixa. Aqui na França não existe o empacotador. Você deve colocar as compras no caixa (sempre tire da cesta, porque eles jamais farão isso por você), correr para o outro lado, pagar e empacotar tudo, bem rápido, antes que o próximo cliente te olhe com cara feia. Fiz todo o procedimento em tempo recorde, pois tinha uns dois clientes atrás de mim, e voltei para casa saltitante.
 Quando cheguei, o Douglas, como sempre, me beijou e correu para as sacolas pra ver o que eu tinha comprado . Eu já me antecipei e disse: comprei um chocolate que deve ser uma delícia. Ele desembalou todas as compras e falou: que chocolate? Não tem nada aqui.
 Como não? Eu comprei, tenho certeza. – Olhei na notinha e lá estava ele: Tab. Chocolat au lait.........1,50. Mas revirei as sacolas e não o encontrei. – Naquela pressa de empacotar, acabei esquecendo no caixa o meu chocolate, só pode ser. E agora, Doug? Vem comigo ver se por sorte ainda está lá. – Ele aceitou, mas tínhamos dois problemas: 1º) A próxima pessoa poderia muito bem ter empacotado junto com as suas compras (a moça do caixa não iria nem perceber);  2º) O mico! E em francês.
 Chegamos ao “Marché Franprix”, e cadê a caixa que me atendeu? Nem sinal da mulher. O caixa estava vazio e sem o meu chocolate. Outro caixa estava funcionando com um rapaz atendendo, que tinha uns quatro ou cinco clientes na fila. Não quisemos passar vergonha com tanto público, então resolvemos entrar no supermercado e procurar a moça. Dessa vez, eu estava com toda pressa do mundo e nem um pouco feliz. Caminhamos de um lado pro outro e nada. Quando estávamos saindo desanimados do mercado, a moça surgiu de uma porta imperceptível. Já abordei: S’il vous plaît. J’ai acheté un chocolat et  je pense que je me suis oublié ici.  – Ela sorriu simpática e foi correndo pegar meu chocolate que ela tinha guardado debaixo do caixa em que trabalha. – Merci beaucoup, eu respondi com a boca nas orelhas.
 É incrível como temos sorte em recuperar itens perdidos. Enquanto escrevo este post, saboreio um chocolate francês. E é uma delícia!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

La conversation

            Hoje fizemos a primeira aula de conversação aqui na Cité: quatro brasileiros, dois vietnamitas, um argentino, um iraniano, uma espanhola, um taiwanês e uma professora francesa muito divertida que conseguiu fazer todo mundo soltar a língua contando um pouco da cultura e dos costumes do seu país. Por diversas vezes eu fiquei maravilhada com os depoimentos, como o do taiwanês explicando a importância dos dragões e o do iraniano falando sobre a diferença entre Irã e Pérsia.  Não há reportagem ou livro que supere a proximidade com um determinado canto do mundo ao ouvir alguém que vem desse lugar. 


Ps. Essa semana o Douglas conseguiu encaminhar a inscrição dele na Sorbonne Nouvelle. Que orgulho!

 


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Renatatouille

Igual ao Ratatouille, eu saí de um mundo em que estava protegida e segura para um universo diferente, desconhecido, inundado por cheiros, sabores e imagens deslumbrantes. Mas diferente do Remy, que conhece os temperos e sabores pelo olfato, a Renata aqui se confunde com as embalagens. Esses dias eu quase comprei molho de pimenta achando que fosse de tomate, troquei o leite por iogurte e demorei duas horas e meia pra achar o açúcar. Aqui ele é vendido em caixinha. Com produtos de limpeza, a situação não muda: é difícil diferenciar o detergente de louça do amaciante . Com o Douglas não é diferente: ele comprou papel toalha achando que fosse papel higiênico.    
Prefiro cozinhar em casa a ter que comer por aí, até porque, em tese, eu sei o que estou comendo. Teve uma amiga aqui da casa que foi jantar fora esses dias e pediu língua de boi achando que fosse uma picanha suculenta. Restaurante é pior do que supermercado, porque o garçom fica ali, esperando você se decidir. O bom mesmo são as “pâtisseries” e as “boulangeries”. Estou viciada nelas: não posso ver uma que já quero entrar e provar uma daquelas guloseimas deliciosas. Aos poucos vamos aprendendo o nome das coisas e comendo melhor.
Também estou me virando bem no fogão de duas bocas da Maison: faço misturas inusitadas com as verduras fresquinhas do Primeiro Mundo, o atum por preço de sardinha e os queijos variados e cheirosos. Estou pensando em me inscrever num curso de culinária para o segundo semestre. Sempre gostei de cozinhar e, aqui na França, essa vontade se intensifica a cada dia. Quem sabe não volto ao Brasil e monto um negócio: “Pâtisserie et Boulangerie Renatatouille.”

domingo, 12 de setembro de 2010

Paris é uma rave

Ontem decidimos fazer um passeio mais parisiense e menos turístico. Caminhamos pelas margens do Sena, bem devagar e com paradas para descansar e curtir a paisagem. Tentamos dar uma espiada no Louvre, mas foi impossível.  Ele estava tomado de turistas e uma fila gigantesca para entrar.   Continuamos nosso caminho pelo Sena, passamos pela Pont Neuf, a Pont des Arts (forrada de cadeados que os amantes perduram para selar o amor) e, entre outras, a ponte Alexandre III, que é uma verdadeira obra de arte. Nas margens do Sena tinha pouca gente por ser um domingo de sol: alguns casais namorando, alguns senhores dando milho aos pombos e um homem-banda tocando Be-Bop-A-Lula debaixo de uma das pontes.
Quando sentimos fome, estávamos pertinho da Torre. Decidimos parar pra comer, mas ali perto não tem muitas opções, a não ser aquelas carrocinhas que cobram preço de caviar as baguetes com molho. Rodamos até achar um barzinho que parecia ser simpático. O dono estava pendurando umas bandeirinhas de vários países, inclusive a do Brasil . Resolvemos entrar, e descobrimos por que todas aquelas bandeiras. Pedimos um panini italiano, feito à moda americana por uma cozinheira árabe que falava francês. No rádio tocava Shakira e, além de nós, tinha dois índios e dois coreanos comendo.  
Depois daquela refeição globalizada, seguimos nossa caminhada até a Torre e lá encontramos uma multidão de gente. Por todo lugar.  Os arredores da Torre estavam tomados por turistas de todo o mundo, africanos vendendo minitorres, bolsas e água, peruanos tocando e fazendo performances (isso tem na Via Del Vino também) e mais uma infinidade de coisas que poluíam aquele lugar de tal forma que eu comecei a me sentir mal. Então, seguimos rumo ao metrô para procurar um lugar mais calmo.
                Igreja de Sacre Coeur, eu disse pro Douglas, lembra que teu médico falou que era um lugar maravilhoso, que dava pra ver a cidade toda? Deve ser uma maravilha. Já fiquei imaginando: uma igreja no alto de uma montanha, com um gramado enorme ao redor, meu amado e eu sentados debaixo de uma árvore vendo o pôr-do-sol sobre Paris.
                Não podíamos perder tempo, pois já eram 5 horas. Pegamos o metrô em direção ao Château Rouge. Com o mapa na mão, vimos que nosso destino ficava a um quilômetro no máximo da saída do metrô. Mas, na chegada, eu levei um susto. Não parecia Paris. Um monte de gente gritando na rua, um guarda dando instruções às pessoas para que lado ir, gente vendendo milho, espetinho de gato. Por um momento achei que tinha sido teletransportada para algum outro lugar bem longe do Primeiro Mundo. Passando aquela multidão, começamos a achar as ruas que nos levariam até o nosso paraíso. Eram morros e escadas enormes. Depois descobri que era um bairro africano de Paris – aqui, muitos imigrantes sobrevivem vendendo souvenirs e comida na rua –, e que era o horário em que as pessoas estavam chegando do trabalho e congestionando as ruas.
                Subimos uma escadaria gigante e já começamos a ver o topo da igreja. Eu subia rápido, pois estava ansiosa para chegar naquele lugar e fugir da turba. Quando chegamos ao topo da escadaria eu quase caí de costas: outra multidão!  Não sei estimar, mas certamente mais de 1000 pessoas. Na frente da igreja, um pessoal fazendo uma performance de rap misturado com algum ritmo estranho e um povo ao redor gritando e batendo palmas. Na escadaria e no gramado em frente à igreja, mais um monte de gente assistindo um americano de camisa rosa e chapéu de malandro que executava (duplo sentido) sucessos do pop internacional e clássicos da canção francesa
Decidimos procurar algum lugarzinho pra ver o pôr-do-sol com mais tranquilidade, mas não achamos. O lugar que tinha menos gente, não dava pra enxergar nada. Tentamos entrar na igreja pra encontrar um pouco de paz. Pra nosso novo espanto, descobrimos  que lá dentro rola um comércio de velas e umas maquininhas parecidas com fliperama. Você coloca uma moeda e cai uma medalhinha de santo. Imaginem a cena: o padre rezando a missa e, de repente, plim, plim: barulho de cassino no meio da celebração. Fiquei chocada com o que vi.  Saímos da igreja e, como última esperança, buscamos um lugar mais alto e que pudéssemos escalar pra fugir daquele circo dos horrores. Só achamos uma rua, bem ao lado do santuário. Camelódromo, este é o nome no Brasil. Aqui em Paris, ainda não sei como chamam. Vocês podem imaginar que tem de chaveiros até quadros, porém a coisa mais bizarra que vi foi uma camiseta estampada com a igreja de Sacre Coeur, a Marilyn Monron, a Torre Eiffel e o Moulin Rouge, tudo junto, na mesma camiseta.  Depois dessa, decidimos voltar para casa. Passamos novamente pelo Château Rouge, entramos no metrô e atravessamos a cidade até a Cité Universitaire.
                Mas que tragédia! O que salvou nosso passeio foi a caminhada pelo Sena. Não temos dúvidas que nossos próximos passeios pelos pontos turísticos da cidade serão durante a semana. Aos sábados e domingos, o melhor passeio em Paris é algum parque desconhecido ou então um cineminha.   
O homem banda
Sacre Coeur 


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O metrô de Paris

                  No terceiro dia aqui em Paris fizemos a carteirinha de transporte chamada “Navigo”, que nos custou 60 euros cada. Com ela e por este valor mensal, podemos usar qualquer tipo de transporte: ônibus, tramway, RER, metrô... Nós estamos usamos mais o metrô, que é uma maravilha. São muitas linhas que ligam toda a grande Paris. Em todas as estações encontramos um mapa da cidade indicando as linhas e as principais ruas. É impossível se perder.
                Nos túneis do metrô, tem muitos cartazes divulgando filmes, peças de teatro e shows. E você encontra de tudo: gente falando línguas que você nem imagina de onde sejam, artistas de alto nível fazendo concertos, inclusive com o trem em movimento, e também malucos de todo tipo, falando sozinhos, gesticulando coisas estranhas, aquele tipo que você olha uma vez e fica com medo de olhar de novo, achando que ele vai pular em você e arrancar seu cérebro para comer no café da manhã.

                 Na festa que teve ontem aqui na Maison (comemoração dos 50 anos da fundação de Brasília) conversamos sobre isto. Um rapaz contou que tem muito maluco que se joga na frente do trem. Deve ser por causa da “politesse francesa” que não deixa os indivíduos perderem a compostura em nenhum momento. O mesmo amigo contou que presenciou a cena de um francês sendo multado. Na saída ele agradeceu ao guarda e ainda desejou um bom dia, e ele jurou pra nós que o cara não estava sendo irônico. Claro que eles ficam malucos: a raiva contida tem que sair por algum lugar.
                Temos um ponto de metrô na saída da Cité Universitaire; é só apontar o dedo para qualquer lugar no mapa da cidade, ver as linhas que nos levam até lá e nos aventurarmos por Paris. Hoje estamos pensando em ir para o Porte d’Orleans ou então visitar o “Cimetière du Montparnasse”, onde estão enterrados, entre centenas de outros, Baudelaire, Cortázar, Sartre e Mme de Beauvoir. 
 











quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O tempo voa

Estamos há uma semana aqui em Paris e só conseguimos sair duas vezes para conhecer a cidade. O restante do tempo, ficamos como baratas correndo atrás de papéis, carteirinhas, seguros... A França é um país muito burocrático.
               Hoje de manhã, conseguimos nos inscrever num grupo de conversação, aqui dentro da Cité Universitaire mesmo.  
O tempo está passando muito rápido; tenho pouco tempo para escrever e muita coisa para contar. A vida é intensa por aqui. Aí vão umas fotos do Jardim de Luxemburgo que conseguimos visitar hoje à tarde:  








segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Turistas

     Primeiro final de semana em Paris. Não fazia menos de 25 graus, com sol intenso. No dia anterior tínhamos conhecido uma mineira, a Graziela, que chegou no mesmo dia que nós. Ela nos convidou para um passeio por Paris com uma amiga que já mora há dois anos na cidade. Saímos ainda ao meio-dia de casa, paramos para almoçar num restaurante aqui perto da Maison du Brésil e seguimos em direção ao metrô. Não tínhamos ticket nem carteirinha de transporte, mas não tivemos dificuldade para comprar os bilhetes nas maquininhas bem sinalizadas. Mais tarde, com a ajuda da nossa guia, a Clarissa, fizemos o cartão de transporte mensal, que serve tanto para ônibus, metrô ou trem, para qualquer canto de Paris.
                O passeio foi sensacional, e a nossa guia foi de uma boa vontade incrível. Fomos até à Torre de metrô e a pé fizemos o trajeto: Arco do Triunfo, Champs Élysées e Louvre. Tudo é lindo!  É emocionante caminhar pelas ruas e avenidas de Paris. A cidade está florida, os casais namoram nas margens do Sena e os noivos tiram fotos na Torre Eiffel.
                Amanhã não é feriado como no Brasil, mas haverá uma greve dos funcionários públicos. Aproveitaremos para conhecer a pé os arredores da Cidade Universitária.
              

domingo, 5 de setembro de 2010

O Fantasma da Imigração

                Desembarcamos no Charles de Gaulle às 14:50 e fomos atrás da nossa bagagem. Foi só botar o pé ao lado da esteira que chegaram nossas quatro malas, lacradinhas e ainda com as fitas (vermelha, azul e branca) que eu tinha colocado na alça.
                Agora vem a pior parte, comentamos, a Imigração. Fomos saindo do setor de bagagens já preparados para enfrentar o interrogatório. Caminhamos mais um pouco. Vimos a placa de saída do desembarque e um monte de gente do lado de fora com placas na mão exibindo os nomes mais estranhos que já vi até hoje. Fomos seguindo e: O quê, já estamos saindo do aeroporto? Cadê a imigração? A fila gigantesca? Os cães farejadores? Nada. Ficamos preocupados: será que tínhamos que procurar pela Imigração antes de sair da sala de desembarque? Mas sempre achei que isso era um pré-requisito, sem opção de escolha. Pra garantir, tentamos entrar lá pra procurar, mas nada feito: depois de sair não tem volta. O Douglas foi pedir informação, mas a francesa não sabia informar: disse que não estava entendendo nosso problema e que se estávamos ali é porque já tínhamos passado pela Imigração.
 Preciso de um carimbo de que entrei na França, o Doug falou, muito preocupado. Então eu lembrei que, no embarque da Holanda para a França, a Polícia Federal havia carimbado nossos passaportes, só que na hora eu não tinha me dado conta do que se do que se tratava. Ele conferiu o passaporte dele e lá estava o carimbo indicando a entrada em Amsterdã. Se é do carimbo que você precisa, a gente já tem, eu disse. Mas, e a Imigração? Cadê?
Caminhamos mais um pouco pelo aeroporto e perguntamos novamente para um rapaz que estava saindo do desembarque. Ele riu da minha preocupação e disse que já tínhamos passado pela Imigração na chegada em Amsterdã. O quê? Essa era a tal Imigração que todo mundo fala que é horrível, que demora horas? Aquela policial sorridente, que pegou nossos passaportes e, depois de ver o visto de estudante do Douglas, fez a simples pergunta em inglês: Qual a área de estudos? Teoria da Literatura, o Douglas disse. Boa estada, ela respondeu. Sem filas, nem pastores alemães,  nem policiais chatos, nem burocracia alguma.
Cinco minutos depois de constatarmos que estava tudo em ordem entre a nós e a França, pegamos um táxi para a Maison du Brésil, nossa casa pelos próximos 10 meses.                

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A viagem

              Saímos de Bento às 8:30 da manhã. O pai do Doug nos levou até o Salgado Filho. Declaramos os bens importados na Receita Federal e embarcamos pela TAM a São Paulo para a primeira conexão. Para a nossa sorte, a bagagem foi despachada direto a Paris. Uma hora e pouco de voo e descemos em Guarulhos. Ficamos 5 horas esperando entre um voo e outro. Mas sem as malas para atrapalhar, conseguimos circular por todo o aeroporto e o tempo passou voando. Às 19 horas embarcamos com mais trezentas pessoas no Boeing 777-200 da KLM com destino a Amsterdã. Apesar da classe ser econômica, que luxo de voo! Perdi a conta de quantas vezes aquelas elegantes aeromoças holandesas, loiríssimas, passaram com comidas, bebidas e delicadezas. Até lencinho umedecido, quente e cheiroso para limpar as mãos. Além do atendimento finérrimo, tínhamos um DVD com fones e controles individuais.  A programação do aparelho era gigantesca: dava pra dar umas 50 voltas ao mundo e não repetir nada. Além de muitos filmes, tinha músicas, jogos e uma tela onde apareciam as coordenadas do avião: o tempo e os quilômetros que já tínhamos voado, a altura em que estávamos, a velocidade e o tempo que restava de viagem. Nem deu tempo para se entediar. Quando cansava de ler o Ponche Verde, via um filme, e assim passaram horas sem eu perceber. Chegou um momento em que lembrei de olhar para os lados: o avião dormia, inclusive o Douglas. Resolvi tentar dormir também, mas só o que consegui foram umas cochiladas de vez em quando.
Foi a noite mais rápida da nossa vida: 5 horas de fuso confundem um pouco nosso cérebro. Tomamos o café da manhã ainda no avião e às 11:35 desembarcamos no aeroporto Schiphol.
                A cidade de Amsterdã, vista de cima, é uma beleza: Tudo planinho, gramados enormes, casas  simétricas. Pena que ficamos só duas horas por ali. Só deu tempo de conhecer um bar no aeroporto e sair correndo para pegar o último voo, dessa vez pela Air France. Nesse voo encontramos muitos brasileiros. Acho que eram de algum pacote turístico, pois todos se conheciam e se comunicavam berrando de um canto a outro do avião. O Doug e eu ficamos disfarçados ali no meio e quando o aeromoço francês veio nos servir eu pedi em francês pra ele não pensar que estávamos junto com a galera do carnaval aéreo.  
                Uma hora e vinte de voo, o piloto deu sinal de que iríamos pousar...
                e....
                lá estava ela...
                Bem longe, pequena ainda.....
                Será que é? Disse o Doug.
                Nisso o avião se aproximou mais e confirmamos:
                Era mesmo!  
                A Tour Eiffel!
                Nesse momento, trocamos um último olhar e nem falamos mais nada. Cada um ficou com seus pensamentos e sentimentos. Chegar pertinho de Paris e ver a Torre é uma sensação mágica, como seu eu estivesse chegando em algum reino encantado de que ouvia histórias quando criança. Meu coração começou a pulsar muito forte.   Apertei a mão do meu amado que devia estar sentindo algo parecido e aproveitei aquele momento que poderia durar uma eternidade que eu não cansaria.  Mas foram só uns minutos. Paris, nous sommes arrivés!