Hoje o Douglas saiu cedo para um colóquio sobre Jean Anouilh em Créteil e eu fiquei dormindo. Estou me vingando de todas aquelas manhãs em que tive que acordar independente da chuva ou do frio, às seis e meia da matina. Agora eu fico me revirando na cama até às 10 ou 11 horas. Mesmo que eu não tenha mais sono. Eu fico na cama afofando o travesseiro com a cabeça e curtindo as minhas férias prolongadas no quentinho.
Hoje não foi diferente. Era 10 e pouco e eu estava naquele estágio de acordar, pensar no que tem pra fazer e dormir de novo. O celular estava no soneca, então a cada 10 minutos ele dava uma buzinada. Entre um alarme e outro, comecei a ouvir uma sirene muito mais forte do que a do meu celular; parecia o alarme do prédio. Não dei muita bola; só fiquei de olho aberto pra ver se acontecia alguma coisa. A buzina continuou berrando e cada vez mais forte. Quando eu já estava decidida a pular da cama pra conferir o que estava acontecendo eu ouvi quatro pancadas na porta, como na Quinta Sinfonia de Beethoven anunciando a chegada do destino. Comecei a tremer e meu coração bateu forte. O prédio tá pegando fogo, eu pensei assustada.
Abri a porta, de pijama ainda, e vi as pessoas saindo de seus apartamentos e descendo as escadas. A moça do quarto da frente estava na mesma situação que eu: cara amassada, de pijama e sem entender nada. Fechei a porta decidida a vestir uma roupa normal e descer. Só que nesse momento já era umas 10:20, e às 11 horas eu teria que sair pro meu curso. O prédio possivelmente pegando fogo e eu em estado letárgico pensando: será que levo a bolsa e os livros? Pelo menos assim eu salvo meu passaporte. Mas eu tenho que tomar café ainda! Fui até a sacada e não vi nada: nem fumaça, nem gente olhando pra cima.
Vesti uma roupa e corri rumo ao elevador. Ali perto tem a sacada que dá pro outro lado do prédio. Resolvi conferir: nada de fumaça e nenhuma movimentação. Aí eu comecei a sentir um calor na perna. Logo me ocorreu que pudesse ser o fogo chegando até mim. Nisso olho pro lado e vejo que estou quase encostando no aquecedor. A essas alturas o alarme já tinha parado de tocar. Aí pensei: o fogo deve ter consumido os fios e, por isso, o alarme parou. Voltei pro apartamento, botei a água pro café no fogo e deixei a porta aberta. Qualquer sinal de fumaça, eu sairia correndo. Nisso, ouvi barulho no corredor, saí e vi um cara mexendo no alarme de incêndio. Perguntei em português o que estava acontecendo, e ele, espantando por eu estar ali, respondeu em francês: você deveria estar lá embaixo. Aí eu respondi: mas eu não posso, eu tenho um compromisso às 11 horas, vou me atrasar. Ele respondeu: Ce n’est pas grave. Traduzindo: tudo bem, nem esquenta.
Entrei novamente no apartamento, dessa vez bem mais tranquila, e deixei a porta aberta, pois ainda não tinha certeza do que estava acontecendo. Dali a pouco a galera começou a voltar em massa para seus quartos. Olhei para o vizinho que estava chegando de bermuda e chinelo e disse: achei que ia morrer queimada!. Aí ele me explicou que era um treinamento de incêndio, e que todos deveriam descer imediatamente. Ainda me contou que a diretora da casa usou a seguinte frase: quem desceu teria se salvado; quem ficou lá em cima, a essas horas estaria morto.
Não sei o que me deu na hora. Só sei que não consegui descer. Certamente teria morrido carbonizada. Na próxima vez em que eu ouvir os alarmes soando, serei a primeira a chegar do lado de fora do prédio. É muito cedo para os sinos dobrarem por mim.
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